São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996
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Os idosos e a economia informal

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O leitor conhece as histórias da minha amiga Joaninha, velha colega de ginásio.
A idade avança para todos. Ninguém escapa. No início de junho foi a minha vez. Por isso, a Joaninha me telefonou para cumprimentar. Como nunca diz a sua idade, decidi omitir a minha.
Mas ela está cansada de saber. O que gosta mesmo é de me ver repetir em voz alta quantos anos tenho. Sadismo dela.
Desta vez, fiquei firme. Não repeti. Ela fez várias contas, comparou-me aos ex-colegas e chegou lá -aparentando ter feito uma grande descoberta. Puro teatro!
No meio da conversa amena, veio um tema sério. O problema dos asilos de velhos. A Joaninha revelou conhecer o assunto a fundo. Não sei se está se preparando... ou porque tem amigos internados em algum deles.
A desumanidade encontrada em muitas "casas de repouso" do Rio de Janeiro levou as autoridades à interdição de várias.
Ninguém discute que os maus-tratos dispensados aos pacientes mereciam um castigo severo. É pertinente perguntar, porém, se isso vai resolver o problema.
A punição pode estancar os abusos, sem dúvida. Mas não soluciona o problema. O Brasil está despreparado para cuidar dos velhos.
A Folha de domingo publicou uma bela reportagem sobre o envelhecimento do povo e um triste depoimento de uma autoridade do Ministério da Saúde:
"É difícil aumentar o número de leitos para idosos porque eles custam mais e dão mais trabalho. Nenhum hospital quer recebê-los".
De fato, apenas 2% dos leitos do SUS são concedidos aos mais velhos, mesmo assim a duras penas.
O grupo dos que têm mais de 65 anos cresce numa velocidade espantosa. São 260 mil pessoas a cada ano. Isso dá um crescimento anual de 3,5%, enquanto a população como um todo cresce menos de 2%.
A situação está feia hoje e vai piorar no futuro -se nada for feito. Um país que envelhece precisa se preparar para tratar de sua população. Do contrário, vira um armazém de gente descartada, à espera do pior.
É evidente que o Brasil tem de promover uma urgente revolução nos seus sistemas tributário e previdenciário. O Estado está longe de ser a instituição mais indicada para cuidar dos velhos.
Mas cabe a ele criar condições para se cuidar dos idosos, em instituições privadas ou públicas -mas sempre de modo decente e digno.
O trabalho de polícia que visa "estourar os asilos" como se estouram os cassinos e os prostíbulos tem um fôlego curto.
A essa hora, o Brasil já deveria ter uma estrutura de tributos na qual todos pagassem um pouco para se arrecadar muito -inclusive para enfrentar a velhice-, acabando-se com essa história de poucos pagarem muito e a maioria não pagar nada, gozando as delícias da economia informal.

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