São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 1996
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O nosso Sabino

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Sim, a imprensa mudou. Trinta anos atrás, era impossível a um jornalista ter opinião expressa no jornal em que trabalhava. O dono é que tinha esse direito: era a opinião do Chateaubriand, do Paulo Bittencourt, do Roberto Marinho, do Dantas, dos Mesquita, da condessa.
Hoje, a imprensa tende ao pluralismo, cada jornal tem em suas colunas e reportagens diversos tipos de abordagem e opinião -daí, certamente, o grau de credibilidade alcançado em recente pesquisa. Alguns leitores ainda não compreenderam isso.
Um deles, por exemplo, reclamou que a Folha tinha "Roberto Campos de mais". Na realidade, o deputado em questão, ao contrário daquela prostituta do Pireu imortalizada num filme de Jules Dassin, comparece sempre aos domingos e apenas nos domingos.
Bem ou mal, o jornalista ganhou alguma respeitabilidade. Quando comecei no ofício, o clima era romântico, impessoal e malremunerado. Lembro-me de um repórter que conseguia trabalhar para quatro jornais. Era um senhor de seus 50 anos, que se fazia passar por médico, estava credenciado em quatro comitês de imprensa: prefeitura, Ministério da Justiça, Central do Brasil e Instituto Médico-Legal.
Chamava-se Sabino Monteiro de Lemos. Eu gostava dele. No cartão de visitas apresentava-se como doutor. Jactava-se de possuir um consultório no Catumbi, dava consultas nos dias ímpares, das 9h ao meio-dia. Num final de ano, convidou os colegas para a sua formatura em direito e logo passou a declinar outra função: a de comissário de Polícia. Tinha um apito no molho de chaves e carteiras complicadas que lhe davam a mobilidade, a omnipresença de um fantasma.
Como aquele personagem cantado por Noel Rosa, "nunca teve uma opinião". No dia em que morreu -de insulto cerebral-, todos os jornais do Rio o chamaram de "o nosso Sabino".

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