São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 1996
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Mudando o diagnóstico

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Até muito recentemente, o discurso oficial acerca da situação e das perspectivas da indústria brasileira tinha o mérito da coerência.
Ela teria sido criada mediante estímulos e favores governamentais. Dessa longa experiência teria resultado uma indústria vultosa, porém pouco eficiente e orientada para manutenção e caça de novos favores.
Diante desse quadro, o novo governo se propunha a acabar com o "aquário". As empresas têm que nadar no mar, como acaba de ser dito por um influente membro da equipe de governo.
A retirada do governo não seria um processo inteiramente indolor. Mas aqueles que tivessem se preparado para o mar veriam premiados seus esforços.
O mesmo não se poderia dizer dos rentistas e demais aproveitadores, que deveriam abrir espaço para atitudes mais "modernas". Ganharia com isso a economia, que poderia especializar-se nas atividades para as quais reúne condições verdadeiramente favoráveis.
A densa experiência vivida nesta curta história do Real tem tratado muito, e mal, esse discurso. Senão, vejamos.
Diante de certas dificuldades enfrentadas após agosto/setembro de 1995, grande importância passou a ser atribuída aos novos investimentos anunciados (basicamente) por empresas multinacionais. Acontece, porém, que mais da metade desses investimentos situa-se na área automobilística.
Ora, nesse campo, precisamente, o atual governo lançou mão de um pesado e complexo programa de incentivos e proteção -que, pelo menos no que se refere a montadoras, poderia ter sido obra de quaisquer de nossos governos desenvolvimentistas. Aliás, os falcões do mercado não deixaram passar sem registro essa flagrante incoerência.
A segunda decepção tem um sentido simbólico ainda mais pronunciado.
Em vez de um preguiçoso e corrupto "rentier", quis o destino que, justamente quando o governo começa a se preocupar com as atividades produtivas, viesse à luz o episódio Mindlin.
A Metal Leve investia em pesquisa e desenvolvimento. Partiu pioneiramente para o exterior, em busca da constituição de uma base no mundo desenvolvido, e amealhou todo tipo de prêmios de qualidade.
O episódio é, pois, inegavelmente traumático. E, para aqueles que conseguem tomá-lo com "naturalidade", o mínimo que se pode dizer é que, então, possuem uma visão inteiramente diversa da fábula da cigarra e da formiga que nos foi contada pelo governo.
O que interessa aqui assinalar não é, contudo, se havia ou não saída para a Metal Leve -sendo, no entanto, oportuno advertir que o exame das experiências internacionais não parece ratificar determinismos no campo industrial.
Cabe, sim, indagar: se não há espaço para a Metal Leve, para quem haverá? Lembremo-nos de que as empresas brasileiras são responsáveis por 70% da produção da indústria do país. Para onde caminhamos? Com que consequências?
Muitas vezes já se disse que a longevidade das grandes empresas industriais é surpreendente. Convém lembrar que na explicação desse fenômeno entra o fato de que os governos as têm socorrido em momentos críticos.
A Chrysler, a McDonnell Douglas (episódio DC-10), a Renault, a Volkswagen (subsidiária Seat salva pelo governo espanhol) e a Daewoo (moratória garantida pelo governo coreano) seriam bons exemplos.
A última (e bem-vinda) inconsistência a ser apontada está na recente multiplicação dos programas especiais de crédito.
Entre a coerência declinante e o realismo crescente, prefiro, sem dúvida, o último. Mas acho possível elevar tanto o realismo como a coerência -construída sobre outras bases.
A indústria contemporânea é um tecido imensamente variado e altamente interdependente, que comporta experiências tão diversas quanto as da Suécia e de Taiwan.
Curiosamente, aliás, essas experiências apresentam dois pontos em comum. Em ambas assume uma grande importância a empresa familiar e, num outro plano, as peculiaridades nacionais de natureza social e política.
Como o caráter familiar das agressivas empresas de Taiwan é amplamente conhecido, convém registrar que a família Wallenberg (banco e holding) controla 40% das ações negociadas na Bolsa de Estocolmo.
Como, por outro lado, a promíscua relação do Estado com a indústria de Taiwan é demasiado conhecida, assinalo que recentemente (1993) o governo sueco salvou a holding dos Wallenberg.

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