São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 1996
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Morte do vilão amável

LUÍS NASSIF

O vilão número um do país morreu fazendo parte do dia-a-dia do brasileiro.
Crianças comentaram contristadas a morte de PC, tão familiar havia ficado para elas quanto para nós os vilões de nosso tempo, João Bafo-de-Onça e os irmãos Metralha.
PC era um vilão brasileiro. Ex-seminarista, amante de cantatas de Bach (conforme anotava, inebriada, a imprensa quando ele era poder), suas façanhas ganharam dimensão de lenda, mas sua figura nunca infundiu temor.
Era o boa-praça, o malandro de boa vida, amparado por uma mulher forte, mas permanentemente disposto a gozar a vida com mocinhas.
Não foi pior do que nenhum dos caixas de campanha que povoaram o país. O que o distinguiu foi a eficiência e o estilo de seu grupo, de não dividir o butim. E a falta de discrição ao encarar a nova vida.
Residiu aí a raiz das pressões contra ele e seu grupo.
No poder, PC comportou-se da maneira como sempre o poder foi exercido no país, desde que, no alvorecer da Independência, o marquês de Barbacena meteu a mão na cumbuca em sociedade com Pedro 1º.
Na ida para Portugal, a um áulico que se queixava de não ter recursos para se manter, o sutil imperador explodiu: "Porque não roubou que nem o Barbacena".
Direito ao butim
De lá para cá, nada mudou -pelo menos até o aparecimento de PC Farias.
O caixa seguiu o figurino. Fez o que todos os seus antecessores fizeram. PC foi Barbacena, sem ter sido marquês.
Conquistado o país, tinha direito ao butim -algo tão natural que, no início, deve ter estranhado as críticas ao seu estilo.
No fundo, PC não contava que o fogo modernizador trazido por Collor, assim como as resistências ao seu estilo imperial, acabariam por tornar momentaneamente "démodées" práticas seculares.
Subornadores não foram denunciados e, entre os subornados, coube a ele suportar a condenação, ser o grande bode expiatório da história.
A tudo suportou em silêncio. Solidariedade? Estoicismo? Sabedoria, sabendo que cada denúncia que fizesse seria utilizada contra ele? Não se sabe.
PC foi morto às vésperas do depoimento no Supremo Tribunal Federal, em cima do único caso plenamente documentado de suborno: o pagamento feito pela Rodonal, uma associação de companhias intermunicipais de ônibus, que garante que pagou apenas para receber o reajuste de tarifas que lhe era garantido por lei.
É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que PC ter sido vítima de um crime passional.
A relação de suspeitos é ampla, tão ampla quanto os subornadores que abasteceram seu caixa.
De qualquer modo, sua vida trágica terá relevância para sempre na história do país. Não acabarão as propinas, os caixas e os subornadores.
Mas, depois de PC, pelo menos a atividade voltou a ter risco.

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