São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tavernier fala em 'droga da impaciência'

CECÍLIA SAYAD
DA COORDENAÇÃO DE ARTIGOS E EVENTOS

Paris, 1984. Três jovens chocam a opinião pública na França por cometerem crimes hediondos, tendo como justificativa a vontade de juntar dinheiro rápido para montar negócio nos Estados Unidos.
Esse fato inspirou o diretor francês Bertrand Tavernier, 54, a escrever o roteiro de "A Isca", que estréia amanhã em São Paulo.
No filme, ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 95, os jovens são Nathalie (Marie Gillain), Eric (Olivier Sitruk) e Bruno (Bruno Putzulu).
Desempregados, os rapazes convencem Nathalie a utilizar-se de seus dotes físicos e de uma agenda com telefones de homens de negócios importantes (contatos que ela coleciona na esperança de tornar-se atriz) para ganharem dinheiro fácil.
O esquema é simples: Nathalie convida os executivos para um programa, vai até a casa deles e deixa a porta aberta para Eric e Bruno realizarem o que deveria ser um assalto sem vítimas, mas que escapa ao controle dos autores.
Foi sobre o filme e sobre o cinema francês que Tavernier falou à Folha por telefone, de sua casa de campo na região do Midi (sul da França).
*
Folha - O que choca em "A Isca" é que os personagens não são miseráveis, drogados ou psicopatas: eles roubam e matam simplesmente para enriquecer depressa.
Tavernier - Eles revelam uma impaciência que é uma espécie de droga. Os personagens de "A Isca" são viciados em sucesso e dinheiro. Há um tipo de delinquência devido a um estado de espírito de pessoas que gostariam de ter mais do que possuem e perdem todas as referências morais.
Folha - A falta de consciência que os personagens mostram com relação aos seus crimes os isenta de culpa?
Tavernier - Não. Eu quis compreendê-los, não perdoá-los. Seus atos são atrozes, estúpidos. Ao mesmo tempo, eu desejei que eles fossem simpáticos.
Folha - "A Isca" conta uma história violenta de maneira sóbria. É porque o filme adota o ponto de vista dos personagens, que vêem seus atos com naturalidade?
Tavernier - Eu quis seguir o olhar deles, que o ritmo do filme fosse rápido e nervoso, com uma câmera muito móvel. Ao mesmo tempo, distanciei-me nos momentos de violência, ela acontece a portas fechadas. E o que é curioso é que muita gente quis proibir o filme para menores (na Itália).
Folha - Há no filme um momento em que os jovens falam do cinema francês com um certo desprezo.
Tavernier - Sim, eu faço muitas conferências em colégios, e os alunos sempre dizem que o nosso cinema é complicado demais, que coloca muitos problemas.
Folha - O sr. é a favor de medidas de proteção para o cinema?
Tavernier - Há, na França, medidas de ajuda ao nosso cinema. E quando se ajuda o cinema francês, ajuda-se também o cinema mundial. Não se deve cair na armadilha de achar que medidas de apoio ao cinema francês sejam medidas protecionistas. É graças ao cinema francês que muitos cineastas estrangeiros, como Fellini, puderam trabalhar, pois seus últimos filmes foram co-produções francesas.

Filme: A Isca
Direção: Bertrand Tavernier
Onde: a partir de hoje, nas salas Espaço Unibanco 1, Estação Lumière 2, Arouche A e Cinearte 1

Texto Anterior: Riqueza plástica esconde subtexto erótico
Próximo Texto: Sucesso embala volta de Martinho a SP
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.