São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um mestre da modernidade

ADRIANO SCHWARTZ
DA REDAÇÃO

Responsável pelo departamento de português e espanhol da Universidade de Yale, um dos mais importantes centros de estudos literários dos EUA, o professor David Jackson é especialista em modernismo brasileiro, principalmente na obra de Oswald de Andrade, sobre quem escreveu "Prosa Vanguardista na Literatura Brasileira" (Perspectiva).
É autor de um ensaio sobre a recepção crítica da obra de Guimarães Rosa que será publicado na edição crítica de "Grande Sertão: Veredas" (leia texto ao lado).
Nesta entrevista, David Jackson comenta as conclusões de seu ensaio, fala sobre as leituras de Rosa nos EUA e sobre sua inserção no panorama do modernismo.
(AS).
*
Folha - Como se desenvolveu a recepção crítica da obra de Rosa?
David Jackson - Ela começa nos anos 40. É um panorama muito rico, mas levou tempo para acontecer uma apreciação mais abrangente do trabalho de Guimarães Rosa. Há, porém, artigos, mesmo da primeira fase, que são muito agudos, perspicazes. Existe um artigo de Oswaldino Marques, que fala sobre o universo linguístico de Rosa. Há, por outro lado, artigos, logo no primeiro momento, que querem colocar o autor ao lado dos regionalistas, como um que se chama "O Novo Valdomiro Silveira", de Wilson Martins.
Eu diria que, chegando aos anos 70, ainda não havia se desenvolvido um conceito adequado do sentido universal, da grandeza da obra de Guimarães Rosa, que foi se desenvolvendo ao longo dos anos 70 ou 80. É claro que não se chega à perfeição, mas, a partir deste momento, aparecem trabalhos muito profundos.
Folha - A tendência inicial, à época do lançamento de "Sagarana", foi, então, de incompreensão?
Jackson - Sim, mas com algumas percepções brilhantes, de vez em quando, mas confundindo o trabalho de Guimarães com os regionalistas e com o romance social nordestino, de Graciliano Ramos, por exemplo. Muitos dos críticos iniciais queriam logo enquadrá-lo em um lugar ou outro, sem entender realmente a complexidade da obra dele, sobretudo do trabalho linguístico-literário.
Folha - E, dez anos depois, quando ele lançou "Grande Sertão: Veredas" e "Corpo de Baile"?
Jackson -Não mudou quase nada em termos de crítica na época do "Grande Sertão". Os críticos ainda não puderam perceber bem do que se tratava, que ele era um grande autor. É realmente curioso ver como as idéias vão se acumulando até chegar a uma massa crítica.
Folha - Qual é a leitura de Guimarães Rosa nos EUA?
Jackson - Ele não é conhecido fora dos cursos de português. E por uma grande razão, que é a tradução que temos de "Grande Sertão" (de Harriet de Onís e James L. Taylor), que é péssima. Como dizia Haroldo de Campos, ela faz do livro um "spaghetti western". É uma tradução à base de enredo, sem as complexidades e as sutilezas linguísticas -muito difíceis, em qualquer caso, de traduzir, mas outras línguas têm traduções belíssimas da obra, como me parece ser o caso das traduções alemã e italiana, que são exemplares. Até se tem falado em fazer uma nova tradução para o inglês, mas, por enquanto, é difícil. Têm saído traduções dos contos, alguns, em inglês, que já serviram para dar uma idéia. Quando se ensina Guimarães, em cursos de literatura latino-americana, é a partir do conto "A Terceira Margem do Rio". Infelizmente, é muito pouco.
Folha -O senhor dá então razão a Harold Bloom, seu colega de universidade, que não colocou o livro em sua lista de "O Cânone Ocidental" devido à má tradução?
Jackson - Sim, não teria sido possível. Acho que Bloom perdeu uma grande oportunidade quando não nomeou Machado de Assis, mas, como ele recebe informação por segunda mão, também não foi informado devidamente.
Folha - Bem, voltando a Guimarães, como o senhor o vê dentro do quadro mais amplo do modernismo internacional?
Jackson - A impressão que tenho é que ele junta várias das principais e melhores tendências do modernismo em geral. Ele tem todo um lado de experimentação linguística -que nós observamos em Joyce, e até em Pound um pouco-, isto é, aquele gosto, não só pela palavra, pela etimologia, pela complexidade da própria forma verbal, mas também pelo lado lúdico, o jogo com isso, que também encontramos em Joyce e alguns outros. Ele junta a isso, porém, algo que em Joyce não encontramos, que é o lado folclórico, primitivista, das vanguardas, que existe em "Macunaíma", por exemplo, e em toda onda de primitivismo da vanguarda européia. E isto entra realmente por meio do elemento telúrico, da terra, da região dele, das práticas linguísticas regionais. Guimarães une estas duas grandes tendências modernistas em um todo harmonioso, de uma maneira genial e pessoal.
Folha - O que o senhor acha dos estudos místicos ou metafísicos na obra de Rosa?
Jackson - Isso se encontra também na vanguarda, penso em Fernando Pessoa, por exemplo. Sabemos que ele não só participava de vários movimentos místicos -rosa-cruz e outros-, mas também acreditava que tudo era oculto, como ele diz no famoso verso "não procure nem creias, tudo é oculto". Em certo sentido, em Guimarães Rosa acontece a mesma crença -fundamental e básica- que nós temos história, nós temos o mundo, mas, no fundo, para explicar mesmo o mundo... tudo é oculto. Ele está igualmente nesta tendência.
Folha - O senhor tem uma preferência dentro da obra de Rosa?
Jackson - Ela é inteira magnífica, em alguns momentos mais magnífica que em outros.

Texto Anterior: Tese vê relação com viajantes do século 19
Próximo Texto: Os sertões de Portugal
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.