São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Doença cardíaca pode "pegar" como resfriado

DA "NEW SCIENTIST"

É possível "pegar" uma doença do coração como se pega um resfriado. Tosse e espirros podem transmitir uma bactéria que ajudaria a entupir as artérias que irrigam o coração, o que o deixa doente. Esse tipo de bloqueio dos vasos sanguíneos se chama aterosclerose. O mal provoca a maioria dos infartos do miocárdio.
A hipótese ainda divide os cientistas, mas os laboratórios a estão pesquisando seriamente desde que começaram a ser encontrados restos de bactéria, ou mesmo a bactéria, nas artérias coronárias de pessoas doentes do coração -ou mortas por ele. As doenças coronarianas são as que mais matam adultos em todo o mundo.
A bactéria é a Chlamydia pneumoniae. Ela é parente da Chlamydia trachomatis, que é sexualmente transmissível e provoca doenças como a uretrite e o tracoma (infecção que provoca lacrimejamento e aversão à luz), por exemplo.
A bactéria dos cardíacos se instala, a princípio, no pulmão. Os pesquisadores mais otimistas estão tentando descobrir como ela chega perto do coração. Os mais incrédulos querem pelo menos chegar a um acordo sobre se ela está presente em vasos sanguíneos doentes que irrigam o órgão.
Em setembro, será realizado em Viena (Áustria), o maior congresso sobre clamídia em quatro anos.
História
Pesquisadores finlandeses foram os primeiros a associar a clamídia ao entupimento das artérias. Em 1980, uma equipe liderada por Pekka Saikku descobriu que as pessoas com doenças coronarianas tinham níveis mais altos de anticorpos para a bactéria do que as pessoas saudáveis (anticorpos são proteínas produzidas pelo sistema de defesa do organismo para se defender de um corpo estranho).
Em 1990, o pesquisador Thomas Grayston, da Universidade Washington, em Seattle (EUA), encontrou restos de material genético da clamídia em amostras de ateromas de doentes coronarianos (um ateroma é a placa que entope os vasos sanguíneos -leia texto abaixo). Em 60% das artérias doentes foram encontrados restos da bactéria. Nas saudáveis, nenhum traço.
Laboratórios americanos, britânicos, ingleses e italianos confirmaram a pesquisa de Grayston. Este ano, uma equipe da Universidade de Utah anunciou na revista do Colégio Americano de Cardiologia a descoberta de traços da clamídia em 79% de 90 doentes .
No entanto, a suspeita sobre o papel relevante da bactéria nas doenças do coração ficou fundamentada no ano passado. James Summersgill, da Universidade de Louisville (EUA), encontrou pela primeira vez a própria bactéria, e não os seus restos, nas artérias de um homem que seria submetido a um transplante.
"Não acreditava nisso até ver. Ainda não acho que exista evidência irrefutável, mas acho que estamos chegando perto", diz Charlotte Gaydos, que chefia pesquisas sobre a clamídia na Universidade Johns Hopkins (EUA).
Controvérsia
A pesquisa de Summersgill foi reproduzida em dois outros laboratórios. No entanto, um deles é chefiado por uma pesquisadora que não acredita na hipótese da bactéria dos cardíacos.
Margaret Hammerschlag, da Universidade Estadual de Nova York, refez a pesquisa de sua equipe. Não achou nada, afirmou em estudo publicado em abril no "Journal of Infectious Diseases". Hammerschlag continua, porém, sua pesquisa sobre o papel da clamídia na asma.
Ainda entre os descrentes, há os que acreditam na presença da bactéria nos ateromas, mas numa taxa muito menor do que a encontrada por Grayston, e aqueles que acham simplesmente que o pesquisador contaminou acidentalmente suas amostras.
Grayston confia tanto nos seus resultados que já propôs testar antibióticos em doentes das coronárias. O pesquisador acredita que, se as drogas aumentarem mais a sobrevida dos cardíacos dos que os medicamentos "desentupidores", os descrentes vão ter de mudar de opinião.
"Ninguém prestou muita atenção na bactéria da úlcera até os testes terapêuticos mostrarem que os antibióticos influíam nas úlceras de estômago", diz Grayston.

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