São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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SEM POLÍTICA INDUSTRIAL

Desde a sua posse como ministro da Indústria, Comércio e Turismo, Francisco Dornelles promete ser um "ministro da iniciativa privada". Imaginava-se que esse bordão revertesse em políticas claras, voltadas à modernização da economia brasileira e consistentes com a orientação geral de abertura comercial.
Não passou de imaginação. O anúncio de um aumento brutal de alíquota de Imposto de Importação de brinquedos de 20% para 70% até dezembro deste ano é uma demonstração evidente de que o ministro quis dizer que estaria aberto a demandas setoriais, particulares. Antes mesmo de pronunciar ou produzir uma proposta de política industrial e comercial o ministro Dornelles sucumbiu a um dos mais perigosos vírus brasilienses: o casuísmo.
A medida de proteção é tardia, praticamente inócua e chega a ser risível o anúncio de que vai durar apenas seis meses. Imagine-se a fila de setores batendo à porta do ministro. Ele já disse que não admitirá a importação de lápis da China!
Não se trata de entrar no mérito do setor brinquedos. Inquietante é o casuísmo, para elevar ou para reduzir alíquotas, para carros, brinquedos ou o que seja. A imagem externa do Brasil sofre com essa volubilidade.
O investidor estrangeiro quer regras. O governo brasileiro oferece um casuísmo que, mesmo às vezes não contrariando normas de legislação antidumping, tem o inconveniente óbvio de não se enquadrar em qualquer plano abrangente. Como reagirão os investidores que estejam considerando projetos em outros setores? Como avaliarão a capacidade de lobby em outros tantos setores?
O princípio geral de que a abertura comercial não deve ser "desindustrializante" é desejável. Mas onde está o cenário com que trabalha o ministro Dornelles sobre o futuro da estrutura industrial brasileira?
Há uma diferença sutil, mas relevante, entre compromisso com a iniciativa privada e compromisso com o mercado. As duas instâncias se sobrepõem e reforçam, mas não são sinônimas. Poder público, interesse nacional e dificuldades setoriais/empresariais também podem divergir.
Tomar decisões de governo sem explicar bem onde há convergência e onde há divergência não é fazer política, mas lidar perigosamente com a confiança do público, dos investidores e dos consumidores.

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