São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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Criatividade

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Garantem que só os tolos se admiram. Sou um tolo: cada dia que passa fico mais admirado da imagem de inteligente que cerca o presidente da República. Sempre que ele abre a boca descubro uma vacuidade que só não é dolorosa porque às vezes ele disfarça com uma entonação bem-humorada.
A última dele foi aquilo que os portugueses classificariam "de truz". Falando sobre o racismo e nada tendo a dizer do racismo, a não ser as obviedades de praxe, FHC apelou para a "criatividade". Taí uma solução para todos os nossos problemas, atuais e futuros.
A morte de PC, a intrigalhada do mulherio alagoano, a comunidade lusófona do Zé Aparecido, o destino do filho de Edmundo com aquela atriz, os rumos da MPB, o final da novela das 8 e até mesmo a investigação sobre os ossos de Dana de Tefé, tudo depende dessa tal criatividade.
Em medicina, quando um médico não sabe o que o paciente tem, apela para uma espécie de criatividade clínica: "É um vírus!" Pronto. Está feito o diagnóstico. Esse vírus pode ser um câncer ou um resfriado, uma falta de ar ou o anúncio de um infarto. Ficam abertos ao doente todos os tratamentos, desde a aspirina ao transplante da válvula mitral.
Bem, os médicos podem escapar pela cômoda tangente virótica. Um presidente da República, especializado em alterar a Constituição em seu proveito, sem qualquer escrúpulo ético, deveria falar sobre o assunto de maneira mais consistente -ou simplesmente não falar, deixando que mais capacitados falem sobre aquilo que ele ignora.
Lembro o técnico Gentil Cardoso, então no Bonsucesso, numa partida contra o Fluminense. O time dele perdia de 5 a 0, faltavam três minutos para sua senhoria o árbitro encerrar o jogo. Gentil gritou para seus pupilos: "Criatividade! Usem criatividade!"

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