São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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Do Guaxuma ao Taiti

JOSÉ SARNEY

Alagoas é a terra do fundador da República, o marechal Deodoro da Fonseca. E, ainda mais, continuou berço do segundo presidente, o Marechal de Ferro, Floriano Peixoto.
Mas não gosto dessa coisa com sentido pejorativo que se procura fazer, descobrindo uma hipotética República de Alagoas. Alagoas fundou a República, que não é a República de Alagoas.
O que aconteceu com Alagoas foi a infelicidade de alguns equívocos que não podem ser generalizados como estigma do Estado inteiro. Não vamos confundir Collor e Canapi e essa tragédia de PC com Alagoas. Essa confusão, contudo, não é de hoje. De Alagoas, também, eram o general Góis Monteiro e Silvestre Péricles.
Este, governador, para não passar pacificamente o governo para Arnon de Melo, pai de Collor, mandou pintar com excremento as paredes do palácio e enfeitou a cadeira do chefe do Executivo, no dia da posse, em vez de flores, com um jarro de estrume.
Quando eu era estudante de direito, num Congresso da UNE de 1950 em São Paulo, apareceu um alagoano revoltado, Lincoln Cavalcanti, meu amigo desde aqueles tempos, que, diante de uma Assembléia atônita, nos dizia: "Alagoas é a terra do sururu. Aquilo está um 'sururu' danado. Não é Alagoas, é Alagóis!" (referência ao Góis Monteiro). São etapas na vida de um Estado. Tudo passa. São pessoas, não destinos.
Agora mesmo, disseram-me que, numa feira de Caruaru, um cego agradecia esmola tocando sanfona e cantando: "Agradeço a santa esmola/ E peço que Deus lhe dê/ A lepra e as doenças mais à-toas/ Mas peço que Deus vos livre/ Das desgraças de Alagoas".
Ora, isso é uma provocação. A polícia de Alagoas descobriu tudo sobre a morte de PC, restando apenas uma pequena dúvida: quem morreu primeiro, PC ou Suzana? Foi Suzana que se matou e matou o PC ou foi o PC que matou Suzana e depois se matou? Esse pormenor implica saber quem se suicidou e quem suicidou a quem, quem se matou ou foi morto.
No mais, a moça envolveu um tira-dentes na história, que disse nunca haver tocado em Suzana. Ela, acostumada a assédios heterodoxos, gostou tanto dessa inocência que ia encontrar-se com ele na eternidade, deixando a dúvida se se tratava de uma velada ameaça de morte ou de uma declaração de amor celeste.
Para mostrar tristeza, Collor, ao saber o que ia acontecer, por mensagem da Cobra Criada, deu no pé para Nova Zelândia, a fim de pescar de mergulho badejos e arraias nas águas azuis da Oceania. Como ofício fúnebre para seu amigo Paulo César Farias, passando por Taiti promoveu um jantar para cem convidados, no qual não faltaram coquetéis típicos e uma ladainha em Ação de Graças e guirlandas.
A questão agora é da atribuição do presidente Fernando Henrique que, segundo o senador Pedro Simon, é o responsável pela apuração do crime; e do Everardo Maciel, da Receita, de descobrir as contas na Suíça ou em Cayman.
O certo é que PC é um símbolo de que o crime jamais compensará. De estereótipo da impunidade, fica como exemplo de destroços: a família, a vida, a prisão, a morte.

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