São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Desindustrialização escancarada

LUCIANO COUTINHO

Não há dúvida de que a forte sobrevalorização da taxa de câmbio, com juros muito elevados, num contexto de franca abertura comercial, foi vital para o Plano Real.
Esta combinação de políticas provocou uma verdadeira avalanche de importações em 1994-1995. Estas saltaram de US$ 25,4 bilhões para US$ 49,7 bilhões -quase 100% em dois anos! Frente a isto a abertura comercial dos governos Collor e Itamar Franco parece brincadeira de criança.
A pressão dos produtos importados foi fundamental para conter e baixar a inflação para níveis muito baixos. É só olhar para o índice de preços dos produtos "tradeables", que vem oscilando em torno de 0,5% ao ano nos últimos meses. Mas, de outro lado, essa maré de importações causou crescente desindustrialização e vem inviabilizando até mesmo empresas competitivas do ponto de vista técnico e gerencial.
A desindustrialização avança a passos largos, em três frentes: 1) redução do valor agregado no país em todas as cadeias industriais complexas, onde parte crescente da produção dos componentes, peças e matérias-primas é substituída por importados.
Na indústria automobilística o "índice de nacionalização" dos produtos cai velozmente (já estaria em 85%, a caminho de 60%). No setor eletroeletrônico, o peso dos insumos importados subiu para mais de 50%.
2) Perda de produção doméstica de bens finais pela ocupação do mercado por produtos importados. Com efeito, parcela crescente da oferta de têxteis, vestuário, calçados, eletrodomésticos leves, alimentos industrializados, máquinas e equipamentos vem sendo suprida via importações.
3) Finalmente, em muitos casos a produção no Brasil foi simplesmente suprimida, ainda que a escala do nosso mercado permita produção eficiente. É o caso de várias especialidades na área química e petroquímica, componentes e bens de capital.
A desindustrialização só não atingiu os nossos setores competitivos de grande escala -cerca de 1/3 da indústria- baseados em recursos naturais e energia abundante (papel e celulose, siderurgia, processamento mineral, alumínio). Mas, neste caso, a rentabilidade das exportações vem sendo onerada pelo câmbio valorizado, dificultando a capacidade de as empresas sofisticarem sua linha de produtos, agregando mais valor no país.
A compressão das margens de lucro provocada pela avalanche importadora, câmbio valorizado e juros estratosféricos deixou muitas vítimas. Desestruturou empresas competentes e está levando a uma desnacionalização sem precedentes em vários segmentos (eletrodomésticos, autopeças etc.).
Com um nó no peito vi a Metal Leve ser alienada e -com náusea- ouvi muitas racionalizações conformistas do tipo "foi um imperativo da globalização". Está na hora de mudar os rumos do plano de estabilização -ou será que queremos retroceder ao estágio de produtor primário, dependente, subalterno?

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