São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um redescobridor do Brasil

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Modernizar o país virou o mote preferido da elite brasileira. E a justificativa mais frequente é a necessidade de "inserir" o país no Primeiro Mundo, tentar pegar o bonde da história que passa ao largo, não ficar marginalizado.
Os marxistas brasileiros, nos seus mais variados tons, talvez tenham como característica comum o esforço de mostrar a perversão real e cotidiana disso que Paul Krugman denomina "obsessão pela competitividade".
Já FHC mostrava que falar em dependência significa mostrar que ser "atrasado" não é sinônimo de ser marginalizado, ao contrário. O atraso integra uma certa lógica. A marginalização que as elites temem não passa talvez de uma projeção freudiana por parte de quem, em última instância, é co-responsável pela exclusão de ex-escravos, ex-imigrantes, ex-índios, ex-crianças e ex-brasileiros.
Tudo isso para chegar a Ruy Gama, historiador da técnica e da tecnologia que nos seus vários livros jogou luz também sobre essas dependências. Interdisciplinar de vanguarda, erudito e bibliófilo, militante, Ruy Gama foi uma dessas pessoas raras de um Brasil de grupos de estudo que eram, também, de resistência. Ajudou a fundar a Sociedade Latino-Americana de História da Ciência e da Tecnologia. Insistia na distinção entre técnica e tecnologia.
Nos idos de 1978, Ruy Gama defendia sua tese de doutoramento no departamento de história da USP, dedicando-se ao que Francisco Foot Hardman define como arqueologia industrial. Uma arqueologia de inspiração marxista, mas que em muitas passagens lembra também a arqueologia do poder de Foucault. Ressaltam os detalhes, o materialismo das máquinas é posto em perspectiva pela "desconstrução" do pensamento colonial.
Como lembra Hardman, Gama se alinhava a outros economistas que, como Antônio Barros de Castro, viam no projeto da colonização portuguesa uma integração nada retardatária com a metrópole. Em outras palavras, o Brasil já era moderno no século 16.
No belo "Engenho e Tecnologia", resgata entre muitas preciosidades as marchas de um negociador que pretendia articular o capital mercantil português, a colônia e uma burguesia de cristãos novos: o padre Vieira, com incursões teológico-financeiras junto aos rabinos portugueses de Amsterdã.
Desde então a economia brasileira passou por várias mudanças, a ponto de a elite forjar o mito da auto-exclusão do Primeiro Mundo, uma espécie de teoria do "bonde perdido". Amanhã, na 48ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), às 12h, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sua obra será discutida por Milton Vargas e Ubiratan d'Ambrosio, sob o patrocínio da Sociedade Brasileira de História da Ciência.
O trabalho clássico de Ruy Gama fica como um alerta sempre oportuno para os que ainda não tiverem a coragem e o estômago de descobrir o Brasil.

Texto Anterior: Nas origens de Shakespeare
Próximo Texto: DEPOIMENTOS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.