São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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A imagem tetraédrica da tecnologia

MILTON VARGAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma das preocupações de Ruy Gama era a de procurar uma definição exata de tecnologia. Achava ele que a solução dos problemas nacionais, relacionados com o nosso atraso tecnológico e com as ambiguidades da aquisição e da transferência de tecnologia, passavam por um esclarecimento do que seria, então, tecnologia. Não aceitava a simples tradução da palavra inglesa "technology". Ponderava que a enorme extensão dessa, significando desde as técnicas das sociedades primitivas até a alta tecnologia e, por outro lado, conotando processos industriais, patentes, equipamentos e instrumentos, não conseguia precisar exatamente o que vinha a ser a atividade tecnológica moderna. Principalmente, ao não diferenciar a atividade técnica da tecnologia.
Não aceitava também, Ruy Gama, a idéia de tecnologia como ciência aplicada. Pois via nessa afirmação o primado do conhecimento científico sobre o trabalho, do que discordava. Talvez por essa razão, não aceitava também integralmente o meu ponto de vista, pelo qual tecnologia consiste na utilização de teorias, métodos e processos científicos para resolver problemas de técnica. Para ele, tecnologia estaria tão relacionada com o trabalho quanto a técnica.
Talvez, por essa razão, é que lhe era simpática a noção de tecnologia, implícita nas disciplinas denominadas "tecnologia", das nossas escolas politécnicas. Nessas, entendia-se por tecnologia a descrição e explicação racional dos processos industriais de produção e de organização do trabalho. Era dessa forma que o professor Victor Freire ensinava tecnologia mecânica na Escola Politécnica de São Paulo, desde sua fundação até a década de 30. Essa noção influenciara, sem dúvida, os arquitetos ali formados. Não sei se esse teria sido o caso de Ruy Gama; mas não há dúvida de que sua noção de tecnologia aproxima-se bastante daquela. Aliás, o subtítulo da disciplina de Victor Freire era justamente "Estudo das Profissões Elementares", o que a aproximava da consideração do trabalho como seu motivo fundamental.
Ruy Gama segue Marx na sua visão do processo do trabalho como constituído por quatro elementos: o primeiro refere-se ao trabalhador e suas habilidades; o segundo, aos materiais; o terceiro, aos meios de trabalho: ferramenta e máquinas; e o último, aos sistemas de conhecimentos, medidas, normalização e organização. Pois bem, Ruy Gama sugere como imagem da tecnologia um tetraedro regular, cujas quatro faces correspondam a cada um desses quatro elementos do trabalho. Note-se que num tetraedro cada uma das faces é adjacente a todas as outras três.
Essa bela imagem que Ruy Gama concebeu para a tecnologia pode ser extremamente útil para estudar um processo tecnológico ou a história da técnica e da tecnologia numa dada região. Ela nos permite compreender essa curiosa interconjugação dos quatro elementos do trabalho: homem, materiais, máquinas e saber, sem os quais não se estabelece o processo tecnológico. Mas o que a imagem especificamente sugere é que o processo tecnológico só é possível quando seus quatro elementos possam ser harmoniosamente intercorrelacionados, uns com todos os outros, como as faces de um tetraedro.

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