São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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O reflorescimento de um instituto

HELOÍSA LIBERALLI BELLOTTO

especial para a Folha Do dirigente de um órgão público espera-se que cumpra, com competência, sua sabida função: administrar corretamente as atividades-meio -que cobrem toda a infra-estrutura administrativa- tanto quanto coordenar, incentivar, desenvolver e divulgar as atividades-fins, as específicas, que, afinal, são as que justificam a existência e a atuação de qualquer entidade em determinada sociedade.
Do dirigente de um instituto especializado universitário voltado para o estudo e a pesquisa da realidade brasileira, notadamente na área das artes e das ciências humanas e sociais, espera-se, ademais das qualidades que o tornam um correto dirigente de órgão público, que se integre ao espírito das pesquisas, estudos, debates, simpósios e cursos ali desenvolvidos, respeitando as características e tendências de seus autores e/ou organizadores. Que, com o peso, o prestígio e a responsabilidade que lhe conferem o cargo, estimule, apóie e difunda tais atividades, fazendo suas as bandeiras de seus comandados, tornando também seus os sonhos de cada um dos membros de sua equipe e, na mesma medida, sofrendo as suas derrotas e com eles vibrando a cada vitória.
Foi este exatamente o perfil de Ruy Gama como diretor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo, na gestão 1986-1990, da qual tive a honra e a satisfação de participar como vice-diretora. De partida, novos tempos para o IEB, acompanhando a transição política de abertura que vivia o país: pela primeira vez um de nós, pesquisadores, integrávamos a diretoria.
Assim, ao interesse do novo diretor pelos nossos trabalhos, somava-se a transparência administrativa e a renovação democrática, cujo sopro não deixou de acontecer nem um dia sequer do período Gama.
Por isso mesmo, a gestão nos pareceu curta demais. Não tanto, porém, que impedisse uma retomada de vitalização científica e atuação acadêmica para o instituto, como fruto direto de uma administração em que a generosidade, a dignidade e o respeito aos funcionários e pesquisadores foram marca maior.
O IEB não lhe era desconhecido: lembro-me, na década de 70, da assiduidade e concentração que dedicava às suas pesquisas na nossa biblioteca, em busca das transformações dos equipamentos técnicos da fabricação do açúcar no Brasil colonial... E lembro-me da sua insatisfação diante do fácil, do óbvio, do pequeno, querendo sempre chegar ao mais fundo dos porquês e dos para quês.
Este diretor-pesquisador inteirava-se profundamente das nossas pesquisas, como se, de repente, a arte e literatura do modernismo, o movimento academicista do século 18, a identificação de obras raras ou a sociedade, a política e a economia do Brasil colônia, império e república, tanto quanto as inovações metodológicas biblioteconômicas, museológicas e arquivísticas que têm caracterizado a organização e o uso dos acervos documentais do IEB fossem de seu profundo e antigo interesse, tanto quanto já o eram longamente a história da técnica, em geral, e a evolução dos equipamentos industriais no Brasil, foco principal de suas pesquisas, estudos e publicações.
Muito do florescimento científico e acadêmico atual do Instituto de Estudos Brasileiros teve seu ponto de partida naquele auspicioso findar da década de 80, por obra do feitio, da maneira de ser e de estar no mundo de Ruy Gama. Mais do que a saudade -que é indubitavelmente grande-, resta-nos, como prêmio, a lembrança e o exemplo de sua autoridade sem autoritarismo, de sua persuasão sem imposição e de sua sapiência sem vaidade. Bem haja, Ruy Gama.

Heloísa Liberalli Belloto é historiadora, foi vice-diretora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da USP, e é professora de arquivística da USP

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