São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Pobres comem pouco e mal

ROSELY SICHIERI e
ANÍBAL SANCHES MOURA

ROSELY SICHIERI; ANÍBAL SANCHES MOURA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A obesidade e o sobrepeso e, consequentemente, as doenças crônico-degenerativas, ao lado da fome, são problemas particularmente sérios entre a população de baixa renda. Aliás, esses males provavelmente estão relacionados à fome.
Prevenir as doenças crônico-degenerativas é inadiável no Brasil. Entre a população adulta, 7,6% apresenta diabetes não dependente de insulina, 32% dos adultos maiores de 18 anos apresentam algum grau de excesso de peso e 15% da população adulta apresenta hipertensão arterial.
Obesidade, e condições a ela associadas, como hipertensão e diabetes melito, são problemas de magnitude crescente no país, particularmente entre os mais pobres.
Esses problemas, além de serem de tratamento caro, não dispõem até então de terapêutica que resulte em sua resolução. Um fator etiológico comum a estes agravos crônicos parece ser o aumento a resistência à insulina. Nestes casos, a redução de peso e aumento do dispêndio energético por meio de atividade física diária melhoram a adequação metabólica, reduzindo o risco das doenças associadas a obesidade.
Atividades de promoção à saúde como redução de peso, aumento de atividade física e consumo mais adequado de alimentos não têm sido estimuladas no Brasil -por meio de pesquisas ou de políticas de implementação.
A fome, por sua vez, tem sido enfrentada basicamente com solidariedade e bondade, e nos grandes centros urbanos, penso que hoje poucos dormem com fome. Dados preliminares de uma pesquisa domiciliar, realizada no Rio de Janeiro, mostram que pouquíssimas pessoas responderam afirmativamente à questão: "No último mês alguém da família deixou de comer por falta de dinheiro?". Porém, uma minoria deve comer adequadamente.
No entanto, os dados de consumo alimentar no país -que seriam o alicerce para atividades de prevenção- datam de 1975.
Os primeiros dados de uma pesquisa de consumo alimentar que está se desenvolvendo no Rio de Janeiro, coordenada pelo Instituto de Medicina Social da UERJ com financiamento do INAN (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição), mostram que os adultos consomem, a semelhança dos países desenvolvidos, uma dieta com altos teores de gordura, sendo que mais de 30% da energia é proveniente da gordura.
Esse padrão alimentar em geral associa-se a redução de atividade física, sendo que ambos fatores favorecem o desenvolvimento de intolerância a glicose, aumento da concentração sérica de triglicerídeos, diminuição de colesterol de alta densidade.
Esse conjunto tem sido chamado de síndrome de resistência à ação da insulina. Obesidade, diabetes melito e hipertensão arterial associam-se a este perfil metabólico. Modificá-lo é o objetivo final da prevenção para essas doenças.
No Brasil temos, na melhor das hipóteses, nos limitado a aplicar terapêuticas individualizadas e desenvolvidas em outros países. A hipertensão arterial afeta aproximadamente 20% da população brasileira. A redução de pressão arterial está ligada a fatores como redução de peso, aumento de atividade física e restrição calórica.
Tais medidas reduzem a resistência à insulina e a atividade simpática do sistema nervoso central e, paralelamente, a pressão. De resto, a redução da pressão arterial por meio de mudanças comportamentais tem maior impacto sobre a saúde do que medicamentos.
Entretanto a prática mais difundida entre nós para o tratamento de hipertensão arterial é o uso de medicamentos. Opções desse tipo decorrem da lógica de um consumo imediato de serviço, do pagamento por unidade de atendimento, da ausência de um componente de saúde coletiva no tratamento.
Tais fatos não se alterarão, tenha o Ministério da Saúde mais ou menos recursos. Essa prática só será modificada se substituirmos o modelo privado e individualizado de atenção à saúde, que é financiado pelo Ministério da Saúde, por um modelo que contemple ações de saúde coletiva. Nos EUA, que estão longe de ser um modelo para ações de caráter coletivo, o investimento do Estado em saúde pública é de mais de R$ 1.000 per capita/ano. Aqui, nosso investimento de menos R$ 50,00 per capita/ano é quase todo sugado para ações curativas e individuais.

Rosely Sichieri é professora do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Anibal Sanches Moura é professor do Instituto de Biologia da UERJ.

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