São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Assassinos pedem ajuda à Virgem Maria

GILBERTO DIMENSTEIN

A imagem da Virgem Maria ganhou status especial em Cali e Medellín, onde estão os mais poderosos narcotraficantes da Colômbia: protetora dos matadores profissionais.
Católicos e tementes de Deus, os pistoleiros desenvolveram um ritual religioso antes das execuções. Ajoelhados diante da imagem, pedem proteção para que não errem o alvo nem sejam mortos.
Além das pistolas, carregam no peito o crucifixo e, se bem-sucedidos, agradecem a proteção divina pela pontaria. Muitos deles aderem aos peregrinos que visitam cidades colombianas onde, imaginam, a Virgem Maria já apareceu.
A devoção religiosa dos matadores mostra como Cali ou Medellín, duas das cidades mais violentas do mundo, são extraordinários laboratórios -ali se ensina como a violência vira rotina.
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Ao visitar Cali na semana passada, para conhecer projetos que tentam recuperar jovens assassinos, vi como a delinquência extrema e descontrolada passa a ser vista como normal.
Questionado sobre como se sentia depois do assassinato, um rapaz de 16 anos, agora aprendendo a virar mecânico num projeto social patrocinado por Goodyear e Shell, respondeu: "Depois de pouco tempo, é como se pisássemos numa barata".
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Para atrair os matadores, o coordenador do projeto, Jorge Varela, fez uma conta. Cada encomenda de assassinato custava, em média, US$ 50.
Calculou que, por mês, matavam quatro pessoas em Cali. Ofereceu, então, um salário de US$ 200.
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A rotina da violência supera qualquer ficção. Os sequestradores não se limitam apenas aos ricos. Até porque, em Cali, a oferta de sequestráveis endinheirados é muito menor do que a procura. Sequestram pessoas pobres e cobram até US$ 50.
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No dia em que cheguei a Cali havia notícia de uma nova modalidade de sequestro. Pegaram um papagaio, cujo resgate saiu por US$ 50 -o mesmo que custaria um pobre.
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Na falta de pessoas, apela-se para os animais.
Sequestram cães de famílias de classe média, o que pode render até US$ 200.
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Compreensível, portanto, a principal notícia de um jornal na semana passada. Informava que uma mãe sumiu com seu filho, disse que ele tinha sido sequestrado e fez o ex-marido pagar o resgate.
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A polícia está obviamente envolvida. A criminalidade nunca vai tão longe sem que os policiais façam parte da delinquência.
Mas, em Cali, eles exageram. Policiais vendem armas a bandidos e, depois, cobram imposto mensal por seu uso.
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Os laboratórios colombianos estão ensinando os brasileiros que a violência e a criminalidade não prosperam por causa da pobreza; lugares muito mais pobres são infinitamente mais seguros.
Basta ver que, na miserável Índia, a violência urbana é comparável à dos países europeus. Prosperam quando a impunidade transforma o anormal em normal.
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Os paulistas, por exemplo, são um ótimo exemplo de como a delinquência virou rotina. Pesquisa Datafolha mostra que 46% já foram assaltados, 63% têm medo de ser assassinados, 61% têm medo de andar pela rua e de ser alvejados por uma bala perdida.
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Tantos foram os assaltos que muita gente passou a ter medo de caixa automático, e aí se vê como o extremo da tecnologia combina com o extremo da barbárie.
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Experiências que conheci no Brasil, em Nova York, na Itália (Palermo) e na Colômbia mostram luz no fim do túnel.
Projetos bem-sucedidos realizados em Salvador (Axé), no South Bronx (Banana Kelly) ou no Brooklyn (Puente) ensinam que mesmo jovens em grau avançado de delinquência se recuperam, estudam, começam a trabalhar.
O fundamental é que eles se sintam integrantes de uma nova ordem, na qual sejam estimulados, valorizados e respeitados -e, dali, consigam um emprego.
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PS - Um dos professores do projeto de oficina mecânica em Cali chama-se Osvaldo Qimbayo, que hoje manipula programas sofisticados de computador.
Até pouco tempo, era um dos chefes de gangue mais temidos na cidade.

E-mail GDimen@aol.com

Fax (001-212) 873-1045

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