São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Os bons companheiros

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Mário Quintana, notável poeta gaúcho já morto, indagava: "Por que será que a gente vive chorando os amigos mortos, e não aguenta os que continuam vivos?"
A resposta, aplicável pelo menos a alguns dos amigos do presidente Fernando Henrique Cardoso: porque os amigos que continuam vivos têm uma incontrolável vocação para bajular mais do que é conveniente.
Exemplo: o artigo de Jorge da Cunha Lima, presidente da Fundação Padre Anchieta, publicado sexta-feira por esta Folha.
O artigo começa assim: "Quando Fernando Henrique Cardoso terminou sua entrevista no Canal 2, na França, alguns importantes jornalistas da 'Arte', a mais sofisticada televisão francesa, me disseram: 'Ah, como gostaríamos de ter um presidente desse nível".
É dose, convenhamos. Não deixa de ser verdade que FHC faz algum sucesso nas suas viagens ao exterior, até porque procura dizer, a cada auditório, o que cada auditório gostaria de ouvir. Se fala a um grupo de ONGs, por exemplo, põe a ênfase no social, na proteção às florestas, índios, minorias em geral.
Se fala a banqueiros, a tônica é a privatização, a abertura da economia e assim por diante.
Daí aos franceses se animarem a trocar um Mitterrand, um Chirac ou um de Gaulle por um FHC vai uma razoável distância, só coberta porque "noblesse oblige".
Não é o primeiro intelectual a escrever artigos de louvação ao amigo (ou chefe) FHC. Tudo bem. É apenas engraçado. Irritante é quando, a pretexto de elogiar FHC, o pessoal se revolta contra a "pauta denuncista" da mídia, para usar expressão de Cunha Lima, utilizada antes por José Álvaro Moisés.
Quando eram oposição, louvavam o "denuncismo" em prosa e verso. Nesse ritmo, vai-se chegar à conclusão, como Quintana, de que amigo bom é amigo morto.

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