São Paulo, domingo, 7 de julho de 1996
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Ciência para a sociedade

SÉRGIO HENRIQUE FERREIRA; ANTONIO CARLOS CARUSO RONCA

Fazer ciência no Brasil, com a escassez de recursos para ensino e pesquisa, é mais que um desafio, é uma ousadia
SÉRGIO HENRIQUE FERREIRA
e ANTONIO CARLOS CARUSO RONCA
"Ciência para o progresso da sociedade brasileira" é o tema central da 48ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que começa hoje. A escolha desse tema para o maior e mais importante encontro da comunidade científica nacional não foi aleatória.
Um dos grandes desafios da ciência é direcionar e transformar suas descobertas em benefícios para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Em um país como o nosso, com níveis assustadores de desigualdades, tanto tecnológicas quanto sociais, esse desafio torna-se ainda maior.
Até o final da década passada, um dos focos principais da atuação dos nossos cientistas era a luta pela liberdade de expressão e de trabalho. A própria realização da reunião anual da SBPC na PUC-SP faz parte desse contexto. Esta é a segunda vez que a universidade abriga esse encontro. A primeira, em julho de 1977, foi um ato de resistência ao regime militar, que proibiu a Universidade Federal do Ceará de realizar a reunião.
Fazer ciência no Brasil, com a escassez de recursos destinados às instituições de ensino e pesquisa, é mais que um desafio, é uma ousadia. Com a conquista e o fortalecimento da democracia no país, a sociedade espera que as entidades científicas assumam um papel destacado na busca de soluções para os graves problemas enfrentados por nosso povo.
Em diversos países, existe uma conscientização muito maior da importância da ciência para o progresso da sociedade. Os investimentos feitos em pesquisa, tanto pelo setor público quanto pelo privado, são muito superiores aos nossos.
A falta de recursos, aliada a oscilações e descontinuidades, demonstra a maneira como a área de ciência e tecnologia vem sendo tratada no Brasil. Em meados dos anos 70, recebeu um pequeno impulso por meio do aumento dos aportes financeiros. Na década de 80, o orçamento federal para a área sofreu um drástico corte e representou apenas 0,4% do PIB, para recuperar-se no começo do governo Sarney, quando chegou próximo de 0,8% do PIB.
Do último ano do governo Sarney até o presente momento, o orçamento do governo federal para a ciência e tecnologia não recuperou o patamar mínimo necessário para o desenvolvimento do setor. É verdade que algumas das nossas instituições de pesquisa têm níveis de excelência semelhantes e, em alguns casos, superiores aos de centros do Primeiro Mundo.
No entanto, os resultados obtidos, apesar de justificarem plenamente os investimentos feitos em pesquisa, não devem escamotear a necessária correção de rumos e a definição de uma política pública clara e contínua para a área de ciência e tecnologia.
Se a capacitação em ciência necessita de grandes investimentos do governo, o desenvolvimento da tecnologia depende, em sua maior parte, do investimento do setor privado. O desafio de fazer com que o conhecimento científico seja incorporado pelas indústrias depende da definição, por parte do governo federal, de um projeto de desenvolvimento tecnológico para o país.
É preciso que, em discussão com os diversos setores envolvidos e com o Congresso, o governo estabeleça prioridades de direcionamento da ação da ciência que tenham um objetivo muito bem definido: encontrar saídas para o atual estágio de desequilíbrio econômico e social brasileiro.
Não se trata aqui de fazer a defesa de privilégios, nem muito menos de estabelecer uma disputa entre ciência pura e ciência aplicada pelos parcos recursos destinados à área. Porém é papel do governo, em consonância com os anseios da sociedade, definir as prioridades mais próximas desse objetivo.
Outro desafio a ser enfrentado pela comunidade científica é o da isenção da ciência, muitas vezes utilizada como uma nuvem de fumaça para encobrir posturas omissas ou cooptações envergonhadas. A isenção que se exige dos pesquisadores e das entidades científicas não é, e não pode ser, a da falsa neutralidade diante do nosso quadro social. Mas, sim, uma postura crítica de quem, pelo conhecimento e competência, reconhece democraticamente as diferentes idéias e propostas.
A diversidade de assuntos dos mais de 2.200 trabalhos inscritos e a participação de pesquisadores de todo o país e do exterior nos deixam expectativas positivas quanto aos resultados desta 48ª Reunião Anual da SBPC e de que a comunidade científica saberá responder aos desafios que lhe são colocados pela sociedade brasileira.

Sérgio Henrique Ferreira, 61, farmacologista, é professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

Antonio Carlos Caruso Ronca, 50, é professor titular da Faculdade de Educação e reitor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

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