São Paulo, sexta-feira, 12 de julho de 1996
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A visão financeira do mundo

LUÍS NASSIF

Condena-se a aprovação da CPMF sob o argumento de que o imposto é ruim (e é), o nível de arrecadação é elevado (e é) e o governo "poderia" remanejar verbas pra a saúde.
Poderia. Mas onde, como e em que prazo?
Há um problema emergencial a ser resolvido: a perspectiva de paralisação imediata de serviços de saúde que atendem a milhões de brasileiros e a desarticulação de toda a rede conveniada do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente a estrutura de Santas Casas e hospitais beneficentes.
O que se tem de concreto para colocar no lugar da CPMF? Que remanejamento de verbas é esse que permitirá aparecer dinheiro instantaneamente para pôr em dia US$ 1 bilhão em dívidas com as instituições conveniadas?
Se não há saídas imediatas fora da CPMF, sugere-se que se reúnam na praça da República todos os doentes sem atendimento do país e se coloque um desses brilhantes formuladores do ideal a explicar os efeitos do imposto sobre a composição da taxa de juros e tudo o mais.
Os doentes ficariam impressionadíssimos e certamente abririam mão dessas exigências descabidas de atendimento de emergência e outras frescuras, que são essenciais para mantê-los vivos.
Visão de mundo É curiosa essa visão financeira do mundo.
Nos últimos 15 anos, a macroeconomia brasileira foi analisada de uma ótica financeira torta. Economistas ligados ao novo mundo financeiro tornaram-se uma espécie de arautos das verdades macroeconômicas.
Durante 20 anos, sustentaram que juros altos eram fundamentais para combater a inflação. Durante 20 anos, a economia conviveu com os mais altos índices de inflação e de juros do mundo. E poucos dos jornalistas que os tomavam por fontes deram-se ao trabalho de questionar esses paradoxos.
Política econômica é a arte de administrar perdas. Em alguns casos, as perdas são inevitáveis. Em muitos outros, são perdas arbitradas.
Faz parte do jogo desses analistas ligados ao mercado puxar a brasa para sua sardinha. Justificam todos os seus privilégios com base nos altos interesses do país. E combatem as despesas mais essenciais -como as da saúde- como se fossem ameaças ao país.
Mas não faz parte do jogo que suas formulações sejam recebidas acriticamente e apresentadas como verdades absolutas.
No ano passado, praticaram-se as taxas de juros mais escorchantes da história, numa transferência inacreditável de riquezas para a parte líquida do setor financeiro.
Transferir US$ 60 bilhões para detentores de capital, à custa de um aumento irresponsável da dívida pública, era fundamental para a estabilidade econômica do país.
Transferir US$ 6 bilhões para atendimento à saúde coloca em risco a estabilidade. Por quê? Porque vai aumentar em 0,20 ponto percentual o custo do dinheiro.
Tenha-se a santa paciência! Além da inconsistência das contas, a desproporção fala por si do ridículo desses argumentos e da maneira torta como se analisam as prioridades no país.
Houvesse um Analista de Bagé na economia e haveria maneira muito mais simples de ensinar essas pessoas a analisar prioridades. Bastaria obrigá-las a viver por seis meses sem planos de saúde e sem um bom salário.

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