São Paulo, sexta-feira, 12 de julho de 1996
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'1337' revela a fraternidade com traços de assassinato

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

No mesmo pequeno palco do Centro Cultural São Paulo, também com duas belas atrizes em interpretação delicada, feminina, e com cenografia e figurino algo semelhantes, "Mil Trezentos e Trinta e Sete" lembra bem o fenômeno de "Violeta Vita".
Mas a paixão é diversa, agora. A sensualidade se dissolve em fraternidade e em humor, na amizade aparentemente infindável e -no limite- assassina que une duas jovens, desde meninas.
Elas se reencontram depois de longo tempo de separação para um piquenique "levemente inspirado"; e tão-somente para a ambiência da peça, em "Déjeneur sur l'herbe", de Manet.
Com brincadeiras de humor físico e verbal -na maior parte levado por uma Beatriz Sayad de grande talento gestual e tempo cômico, amadurecida como toda a sua geração de intérpretes-, vai-se revelando a tragicomédia que envolve as duas, desde sempre.
Um jogo que é de amor, mas também de inveja e até mesmo de desprezo -o que é exemplificado naquilo que é vagamente descrito pela trama de "Mil Trezentos e Trinta e Sete" como a experiência das duas personagens no palco, também elas atrizes.
A primeira surgiu e leva a vida, depois de fracassar em outros caminhos, como intérprete de Nossa Senhora em autos católicos; paralelamente, em igrejas, furta imagens da Virgem.
A segunda, que só fez interpretar anjos, santos e demais figurantes nas peças colegiais da amiga, estabeleceu-se afinal como assassina profissional, ou como "killer", na expressão dela.
O realismo é crescentemente fantástico, com divertimentos e jogos, dando asas à descrição, por exemplo, de como uma delas, a "killer", caça e come moscas -e dando asas a perguntas supostamente ingênuas como "você mata as mosquinhas?", para a resposta cômico-lúgubre de que "muitas coisas mudaram".
Em sequência à fantasia sugerida pela trama, elas montam cenas sobre cenas teatrais durante o longo piquenique, pois a assassina quer porque quer aprender também a fazer Nossa Senhora. Não aprende, nem consegue escapar das pequenas violências da "grande amiga", a "Virgem", que lhe pisa no pé, coisas assim -na singeleza traiçoeira de ambas.
O tempo todo, nas brincadeiras, nas imitações desajeitadas, o que vem em relevo é Beatriz Sayad cada vez mais engraçada, uma comediante de braços longos, pernas perdidas, expressão quase ingênua. Cada vez menos clownesca e formalista, cada vez mais um reflexo da graça de uma Olímpia, da popular Denise Fraga.
Em dados momentos, chega a entrar inteiramente pelo melhor, mais hilariante pastelão.
Alessandra Fernandez, que "faz a Virgem", apresenta uma menor desenvoltura no humor, mas tem uma beleza distante, serena, e desempenha bem a placidez de uma santa -com traços de criminalidade. Na dupla dos clowns, faz um "escada" eficiente.

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