São Paulo, quarta-feira, 17 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tiro aos alvos

JANIO DE FREITAS

Todo pretexto é bom, na cúpula do governo, para aferroar os seus fantasmas, sejam eles reais ou imaginários. A procura de maneiras de fazê-lo, ainda que apenas miudinhas, pode exigir até complicados malabarismos administrativos, ou deixar evidências comprometedoras, contanto que a investida ou a vindita seja sentida.
O ato de nomeação de um reitor de universidade, por exemplo, transforma-se, ao passar na engrenagem dos que compõem a intimidade palaciana, de ato apenas administrativo em ação de combate político. É o que acaba de ser confirmado, tratando-se do reitor da Uni-Rio.
Esta coisa formidável de eleição dos reitores está reduzida a mais uma farsa de prática democrática. A comunidade universitária elege o seu preferido, mas o ministro da Educação nomeia quem ele quiser, sem que ao menos a escolha seja necessariamente sua. A eleição na Uni-Rio e a nomeação do novo reitor poderiam resumir-se a esta farsa constante, mas já nas suas ocorrências burocráticas surgiu a marca da aberração.
Um dos professores, o médico Pietro Novelino, obteve 58% dos votos. Bem mais do que a soma dos outros candidatos. Bem mais de duas vezes o segundo colocado, que ficou perto dos 24%. O ministro Paulo Renato de Souza nomeou o segundo colocado.
Não seria mais decente, e menos custoso, ter a coragem de extinguir o método eleitoral e indicar com o dedo a preferência do ministro, ou do presidente, ou de algum áulico? Prepotência por prepotência, adoção por adoção do autoritarismo de que Paulo Renato de Souza foi um dos críticos na ditadura, que vigore, ao menos isso, a de menor hipocrisia. A aberração praticada não acabou aí, porém.
Há o motivo da aberração, que foi, mais do que deliberada, calculada. O ministro esperou mais de um mês para surpreender a Uni-Rio, e o eleito, com o nome do novo reitor. Esperava as férias, para evitar que da comunidade universitária partissem previsíveis cobranças de explicação e protestos.
Não seria pelo ministro, no entanto, que a comunidade universitária saberia que o eleito foi queimado no governo por ser tido como muito próximo de Itamar Franco, do qual é dado por alguns como um dos representantes no Rio.
Foi o mesmo que aconteceu a José Aparecido de Oliveira, que idealizou, costurou, empurrou a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, cujo estatuto Fernando Henrique Cardoso assina agora em Lisboa. Por absurdo que pareça, foi o governo brasileiro, por intermédio da sua rendosa e rendada diplomacia, que convenceu os demais governos do tratado a não elegerem um brasileiro para primeiro presidente da Comunidade. O eleito, claro, seria José Aparecido de Oliveira. Identificado como articulador político de Itamar Franco.
Henrique Hargreaves, Mauro Durante e outros ligados a Itamar Franco têm mais casos para contar, de ocorrências com os próprios. Mas não é só a Itamar Franco que os palacianos querem sem áreas de influência, direta ou não. Os suspeitos de opor-se à reeleição podem ser brindados com alguns salamaleques, mas, por trás das cortinas, são alvos também preferenciais.

Texto Anterior: Bresser quer mudar relatório de Moreira
Próximo Texto: Câmara aprova julgamento de PMs pela Justiça comum
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.