São Paulo, quarta-feira, 7 de agosto de 1996
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Seu Júlio

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Explicação pessoal: semana passada, uma chamada de capa da Folha colocou-me na embaraçosa situação de responsável por 50 livros publicados. Na realidade, perdi a conta dos livros que assinei por aí, mas acho que não chega a número tão comprometedor. Deu-se que, durante anos, integrava a equipe das Edições de Ouro (atual Ediouro), fazia livros como queria Castro Alves: a mancheias.
A quase totalidade era de adaptações de clássicos, textos para serem utilizados na rede escolar. A turma era numerosa: Clarice Lispector, Marques Rebelo, Paulo Mendes Campos, Pedro Bloch, Menotti del Picchia, Herberto Salles, Adonias Filho. O campeão era Orígines Lessa, com mais de 80 títulos.
A editora colocava o nome da gente lá em cima, com destaque, depois o título, "Viagem ao Centro da Terra", e lá embaixo, quase escondida, a indicação: "Original de Júlio Verne".
Um dia, estava batendo um texto quando o Magalhães Jr., na mesa ao lado, me avisou que havia uns meninos no corredor, acompanhados por uma senhora que trabalhava no arquivo. Ela me indicava aos garotos, boquiabertos, que me olhavam como a um fantasma. Fez um aceno me chamando e apresentou-me ao grupo: "Aqui está o seu Júlio Verne!".
Apertei a mão dos guris, tão boquiaberto como eles. A senhora explicou: "Meu neto espalhou na escola que a avó dele, que sou eu, é colega do Júlio Verne. A professora chamou-o de mentiroso, disse que o senhor havia morrido em 1905. Eu trouxe um grupo para tirar a dúvida".
Não desmenti. A partir desse dia, a colega tomou intimidade e passou a me chamar de seu Júlio, "bom dia, seu Júlio, tem trabalhado muito? Gostei daquela viagem à Lua!"
Incluindo esse tipo de viagem, creio que cheguei a uns 30 títulos. Mas o número baixa para a metade disso quando me perguntam quantos livros realmente escrevi.

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