São Paulo, quarta-feira, 7 de agosto de 1996
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A fumaça da inércia

ROBERTO GOUVEIA

A polêmica Operação Rodízio tem o mérito de revelar a ausência de plano estratégico de combate à poluição ambiental. A principal obrigação do poder público é controlar a poluição com medidas estruturais, de forma permanente, dentro de uma concepção preventiva, para evitar os momentos críticos e emergenciais, defender a saúde pública e minimizar o sofrimento da população.
Medidas que controlam a poluição do ar na região metropolitana de São Paulo são importantes e devem ser apoiadas. A restrição à circulação de veículos em alguns meses do ano deve ser utilizada como instrumento de intervenção em momentos considerados críticos, quando programas estruturais e preventivos falharam ou não foram suficientes para evitar a crise.
O rodízio é claramente um paliativo. Não deve ser transformado no único instrumento de ação do poder público, uma vez que não se trata de medida estrutural. As gestões estadual e municipal de São Paulo estão em dívida para com os cidadãos. Não vêm implementando políticas permanentes de combate à poluição. Um plano global de política ambiental deve ser implantado pelo governo estadual em parceria com os outros níveis de poder.
No entanto programas essenciais e permanentes de combate à poluição ao alcance do poder público, como, por exemplo, o IM (Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso), de reconhecimento internacional, vêm gerando disputas entre níveis de governo e, até o momento, o resultado é a sua inexistência.
A prefeitura passa recibo de incompetência ao anunciar a aplicação do IM apenas a partir de 2 de janeiro de 97. Portanto já na próxima gestão. Ao mesmo tempo, 18 meses já se passaram e o governo estadual também não implantou o programa.
A gestão Mário Covas não o fez por negligência e absoluta inércia, uma vez que, em junho do ano passado, em resposta a um requerimento de nossa autoria, tanto o secretário estadual do Meio Ambiente como o presidente da Cetesb defenderam de forma enfática o rompimento do convênio com a prefeitura, assinado no apagar das luzes do governo Fleury.
Diante da omissão estadual, a prefeitura, por meio de uma concorrência nebulosa, que vem sendo contestada na Justiça, entregou o programa à empreiteira Vega Sopave (grupo OAS).
Pior que a inércia só a capitulação. O secretário admitiu ter cedido à chantagem das empresas de transporte. Ameaçado por essas empresas, que desobedeceriam a toda a operação, o secretário liberou o tráfego de caminhões, recebendo em troca a promessa irrealizável a curto prazo de que a fumaça preta, espalhada impunemente, será controlada pelas próprias empresas.
Enquanto se deixa chantagear à custa de promessas, executa precariamente a Operação Caça-Fumaça (que controla a emissão de poluentes de caminhões e ônibus), com equipes reduzidas pelas demissões e pelo sucateamento.
A outra contrapartida fundamental do poder público é oferecer alternativas dignas de deslocamento à população, como a melhoria e ampliação do transporte coletivo (metrô, trens, corredores para ônibus). O incentivo à utilização de combustíveis menos poluentes e a melhoria do trânsito, além de representar medidas com impactos positivos no controle ambiental, são essenciais para a adesão do cidadão, estimulando a utilização de transporte coletivo.
A ampliação da oferta de transporte coletivo permanece estagnada. Obras de ampliação do metrô, corredores de ônibus e a melhoria das ferrovias paulistas foram abandonadas, e a sua retomada pelo governo estadual está sendo anunciada agora como mera propaganda eleitoral. Quanto à prefeitura paulistana, nem se fala: radicalizou em sua opção de estimular o transporte individual. Opção coerente com a filosofia do prefeito da capital, que afirmou que "congestionamento é sinal de progresso" e prioriza obras viárias, voltadas para o carro particular.
Diante da previsível crise iminente e de grandes prejuízos à saúde pública, o governo do Estado implanta uma Operação Rodízio confusa, que gera uma chuva de pedidos e concessões de liminares na Justiça, bem como os transtornos verificados nesses primeiros dias.
O poder público, que não dá o exemplo e não faz a sua parte, impõe a "adesão" da sociedade civil a uma medida pouco eficaz, com resultados parciais e questionáveis. Difícil disfarçar a antiga prática de culpar a vítima e transferir o ônus para o cidadão. Graças à emenda aprovada de nossa autoria, limitamos o rodízio a 1996. Até o próximo ano, o debate continua e tudo faremos para que o poder público aja de forma mais responsável e efetiva no combate à poluição e na defesa da saúde pública.

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