São Paulo, sábado, 24 de agosto de 1996
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França invade igreja e prende 220 africanos

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DE PARIS

Com gás lacrimogêneo e machadadas, cerca de mil policiais invadiram ontem às 7h30 (2h30 em Brasília) a igreja Saint-Bernard, em Paris, onde estavam acampados os africanos que exigiam o visto de permanência.
Há cinco meses, os africanos "sans-papiers" (sem-documentos) reclamam a regularização de sua situação. Nos últimos dias, o caso se tornou uma grande polêmica, forçando a suspensão das férias do premiê Alain Juppé.
Assinada na véspera, a ordem da invasão foi dada pelo ministro do Interior, Jean-Louis Debré. Mas, segundo o jornal "Le Monde", o presidente Jacques Chirac deu o sinal verde para o uso da força.
A polícia arrombou as portas da igreja a machadadas e entrou em choque com os franceses simpatizantes dos africanos.
Na ação, a polícia prendeu os 220 "sans-papiers" que estavam na igreja -entre eles dez homens que estavam ontem no 50º dia de greve de fome. Quarenta simpatizantes foram detidos e logo soltos.
Entre as pessoas detidas estava a atriz Emmanuelle Béart. Seis pessoas ficaram feridas.
"Eles eram muitos e chegaram rápido. Os policiais foram violentos, as mulheres gritaram, e as crianças choraram bastante", disse à Folha a estudante Marie de Louzed, 17, uma das simpatizantes que estava na igreja durante a ação dos policiais.
"Eu me senti como em um gueto. Agora sinto vergonha. O governo começa caçando os imigrantes e depois fará isso com outros."
Novo confronto
Em declaração após a invasão, Debré disse que o governo pode conceder visto de permanência para cerca de 30% a 40% do grupo. O resto será expulso do país. Um avião militar estaria pronto para ser usado na manhã de hoje.
"Debré tinha falado em tratamento humano para o caso. Sua ação mostra que, quando ele fala em humanidade, é a mesma coisa que um iletrado que fala sobre filosofia", afirmou o cancerologista Léon Schwaetzenberg, 72, intelectual que preside a organização Droits Devant.
Nove dos dez grevistas de fome foram internados em dois hospitais militares. O resto dos africanos está preso em um centro de detenção em Vincennes, na periferia de Paris. Cinquenta "sans-papiers" escaparam da ação.
Entre os detidos estão as crianças que fazem parte do grupo -inclusive alguns recém-nascidos.
Até o meio da noite de ontem, os advogados dos "sans-papiers" estavam sendo impedidos de encontrar seus clientes.
No fim da noite, um grupo de milhares de manifestantes cercou o centro de detenção em Vincennes e entrou e em confronto com a polícia. Dezenas de pessoas foram feridas -um manifestante sofreu traumatismo craniano.
A ação do governo uniu a esquerda nas críticas. Alguns parlamentares governistas lamentaram o uso da força, mas, de uma forma geral, a direita aplaudiu a invasão.
"A retirada da igreja foi uma decisão que poderia ter sido tomada muito antes", declarou um porta-voz da Frente Nacional, partido de extrema direita que tem um discurso contra imigrantes.
Manifestação
Aos gritos de "liberdade para os 'sans-papiers"', mais de 10 mil pessoas participaram de uma passeata no início da noite em Paris.
Convocada pela esquerda após a retirada da igreja, a manifestação contou com a participação de líderes sindicais e de personalidades como a atriz Emmanuelle Béart.
Aos contrário das manifestações iniciais, a maioria dos participantes ontem era de franceses.
Mas alguns imigrantes também participaram. Como a judia polonesa Hanna Kamienicki, 72, que chegou pequena à França com documentos falsos.
"Sou solidária com quem está sendo perseguido", disse ela, que foi sozinha à manifestação.
"Se os franceses tivessem se manifestado quando começaram as perseguições aos judeus, em julho de 1940, talvez a história tivesse sido diferente", afirmou. Ela disse ainda que sua família foi deportada e morreu

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