São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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Sem reforma

JANIO DE FREITAS

Se as igrejas cristãs se unem na denúncia de que o palavrório do governo sobre reforma agrária não se traduz em ação, servindo só para disfarçar o imobilismo, não há como atribuir a "grupos radicais" e a provocações os protestos que o movimento dos sem-terra está ampliando, inclusive com a previsão de mais invasões.
Informado de que a apatia governamental seria tema da CNBB na terça-feira, confirmando a presença da Igreja Católica na denúncia a ser levada ao Planalto por oito igrejas cristãs, na segunda-feira à noite Fernando Henrique Cardoso apressou a assinatura de autorização para um crédito extraordinário, da ordem de R$ 500 milhões, destinados à reforma agrária.
Foi bem o tipo de atitude governamental posta sob denúncia. O crédito, em si, nada significa. Ao passo que é de significação inquestionável o que consta da avaliação da CNBB: para ficar só nos últimos quatro meses, "desde maio houve 134 decretos de desapropriação e nenhuma imissão de posse".
Com as desapropriações inúteis, o que o governo faz é criar, paralelo aos sem-terra, o terra sem-dono.
O alienado
Nas grandes cidades, já aprendeu todo cidadão menos aéreo, dinheiro no bolso é risco de assalto. Um dos autores da liberação das tarifas bancárias, que estão elevando o preço dos talões de cheque e da manipulação das contas nos bancos, Gustavo Loyola recomenda, agora, que se prefira andar com dinheiro no bolso a usar cheques.
Sugestão típica dos burocratas-marajás de Brasília. À vontade nos carros oficiais, protegido por seguranças, aqueles e estes à nossa custa, o presidente do Banco Central nem sabe que apenas sugere a escolha entre dois assaltos: o da rua ou aquele de que é conivente.
Mottice
A explicação dada por José Serra aos seus colegas economistas, para o fracasso de sua candidatura, foi coerente com a ocasião, mas não precisava ser tão econômica em vários sentidos.
Admita-se, ainda que só por gentileza, o argumento de que "a classe média, por rejeição ao PT, quer liquidar a eleição contra Erundina já no primeiro turno". Mesmo que finjamos esquecer a presença preponderante da classe média nos êxitos individuais e coletivos do PT em São Paulo, a explicação de Serra mais o compromete do que isenta. Afinal, ele e Pitta estavam nos baixios das pesquisas, quando Erundina liderava. E o eleitorado teria preferido Pitta para "liquidar Erundina" e vencer no primeiro turno. Por que a preferência?
Sabia-se que o convívio mais intenso com Sérgio Motta, na campanha eleitoral, não fez bem à candidatura de José Serra. Vê-se que também contaminou com mottices o raciocínio analítico, que já foi um dos orgulhos de Serra.

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