São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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Ética da globalização

LUÍS NASSIF

Nos últimos anos, as esquerdas latino-americanas dividiram-se em dois grupos. Numa ponta, os que se mantiveram presos à disputa pelo controle do Estado, enfrentando as chamadas forças de direita.
Na outra, os grupos que entenderam a verdadeira natureza do Estado, e passaram a lutar pelo primado da cidadania, pela redução do aparato estatal e pela montagem de estruturas apartidárias e não estatais, que permitissem ao cidadão subordinar o Estado aos interesses difusos da Nação.
À medida que se avança nesses princípios, os conceitos de globalização passam a ser vistos dentro de uma nova ótica.
Não mais a visão conspiratória do capital esmagando os pobres, mas do capital servindo de alavanca para extirpar o velho das empresas e do Estado. E a globalização significando não apenas o livre trânsito de mercadorias, capital e tecnologia, mas de conceitos éticos universais.
Fim das fronteiras
Quando se avança nessa direção, pode-se chegar inclusive à recuperação dos valores históricos do próprio socialismo, como o fim das fronteiras nacionais e a democratização do capital (por meio de sociedades anônimas controladas por fundos de investimento e de pensão).
É o que demonstra artigo recente dos deputados petistas Eduardo Jorge e Luiz Gushiken.
Ambos pensam no mundo globalizado como uma Federação das Nações, articulando-se em parlamentos próprios, atacando de maneira globalizada problemas de miséria, mas com cada país mantendo seus valores e identidades culturais.
Provavelmente este será o modelo para o qual se caminha. No fundo, esse trolóló infindável sobre antineoliberalismo impede a percepção de que a globalização está disseminando uma nova ética mundial, fundada em princípios legitimadores.
O primeiro deles é o primado da democracia, das modernas formas de controle da opinião pública sobre o Estado. São muito semelhantes aos destinos de Fernando Collor, Carlos Andrés Perez e dos mandatários coreanos condenados à morte.
Deflagraram um processo de modernização, abriram as respectivas economias ao mundo e foram devorados pelos novos conceitos de cidadania trazidos pela globalização.
Eficiência social
O segundo grande conceito é a noção cada vez mais clara da importância de se investir em educação e saúde, não só como fatores de equilíbrio social, mas como condição para competir em uma economia globalizada.
O terceiro é a consagração da eficiência e da análise custo-benefício como peça-chave em todas as ações -inclusive nas sociais.
O quarto é a consolidação das políticas de direitos humanos e respeito à ecologia.
Nos últimos anos, pressão da opinião pública e dos próprios acionistas mudou significativamente as políticas internas das grandes sociedades anônimas. Empresas poluidoras são boicotadas em seus países de origem, mesmo que a poluição esteja sendo produzido a milhas de lá.
Essa tomada de consciência migrou para os organismos multilaterais, que passaram a condicionar seus financiamentos a compromissos explícitos com práticas ecológicas.
O quinto é a importância de consolidar valores culturais nacionais, até como maneira de as nações sobreviverem como tal, dentro de um ambiente globalizado.
Transição
É evidente que há muito a se caminhar. A globalização se faz dentro de um quadro de grandes mudanças tecnológicas e de ajustes nacionais postergados durante décadas.
Ainda haverá muito sacrifício por parte das nações em desenvolvimento, assim como perdurará por algum tempo a intolerância racial nas nações desenvolvidas.
Além disso, na fase inicial a passagem de um ciclo econômico obriga a uma reestruturação que provoca desemprego e recessão.
Gradativamente esses pontos serão superados, à medida que os ajustes foram sendo completados e que as economias nacionais recobrem a pujança.
Mas o potencial civilizador da globalização é irreversível.

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