São Paulo, terça-feira, 3 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O drama (ou palhaçada) da agricultura

ALOYSIO BIONDI

A política agrícola continua a alternar dramas e comédias (de humor negro), como mostram as cenas seguintes transcritas dos jornais:
Cena 1 - Cenário: Palácio do Planalto. Época: final de junho. O presidente da República anuncia uma "virada" na agricultura. Promete, em particular, crédito abundante, e apoio à agricultura familiar (5 milhões de famílias de pequenos e microprodutores), que receberia R$ 1 bilhão de crédito.
Cena 2 - Cenário: Goiânia. Época: dois meses depois, isto é, final de agosto, semana passada. "O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Guilherme Dias, disse ontem que o atraso na liberação dos recursos (crédito) para o plantio não compromete a safra 1996/97. Ele participou de um encontro com líderes ruralistas" para discutir a falta de crédito.
Cena 3 - Cenário: Florianópolis. Época: começo de agosto. O coordenador da política de apoio à agricultura familiar garante que "em 15 dias, os recursos para financiamentos do Pronaf estarão nos bancos estaduais e rede privada".
Cena 4 - Cenário: Interior de São Paulo. Época: três semanas depois. Agricultores bloqueiam a agência do Banco do Brasil de Teodoro Sampaio, no Pontal do Paranapanema. "Eles exigem a liberação de R$ 2,3 milhões (com m, mesmo) em financiamentos de custeio (para plantar) pelo Programa Familiar."
Cena 5: Cenário: Brasil inteiro. Época: final de agosto. Pequenos e microprodutores não conseguem financiamentos porque os bancos exigem garantia de 150%, isto é, para cada R$ 1.000 emprestados, há necessidade de dar bens no valor de R$ 1.500 como garantia. Os produtores não têm bens.
(Como fecho do drama, o coro canta: "As cenas mostram que as promessas e intenções do presidente da República continuam a ser sabotadas pela equipe econômica -como aconteceu em 1995. O crédito não é liberado. E as exigências continuam a impedir o acesso dos produtores ao crédito".)
De olhos rasgados
(Aviso ao público: a comédia abaixo retrata a capacidade de montar palhaçadas, exibida por economistas globalizantes, isto é, newcucarachos de cabeça colonizada. Trata-se, porém, do mais deslavado humor negro, não sendo por isso mesmo recomendada a cidadãos com a mínima capacidade de indignar-se. Há o risco de infartos ou, no mínimo, crises de hipertensão).
Cena 1 - Cenário: Ministério da Agricultura. Data: 26 de agosto último. O ministro da Agricultura revela que, "aproveitando a passagem de uma delegação do governo japonês pelo Brasil, o governo federal pretende conseguir recursos daquele país para a ampliação do Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer)... Só nessa ampliação, seriam investidos recursos da ordem de US$ 850 milhões, principalmente em infra-estrutura. Arlindo Porto acompanhou o presidente FHC na audiência em que apresentou o projeto à delegação japonesa".
Cena 2 - Entra em flash-back, para relembrar o que é o Prodecer. Em meados dos anos 70, o Japão planejou trazer centenas de milhares de famílias para o Brasil, para plantarem principalmente soja e milho no Centro-Oeste. O Japão não queria continuar dependendo das importações desses produtos, fornecidos na época pelos EUA. Houve imensa reação -inclusive na área militar- contra esse plano, que ficou famoso na época sob a denominação de "Projeto Jica". Ele foi "reduzido", e, ao final, apenas algumas centenas de famílias de produtores japoneses ganharam terras no Cerrado, com financiamentos e obras de infra-estrutura fornecidos pelo governo brasileiro, com metade do valor financiado (emprestado) pelo Japão.
Cena 3 - Mais um flash-back, para rememorar. Os agricultores japoneses não pagaram os empréstimos. Há uns dois anos, eles foram refinanciados pela equipe FHC, a juros de pai para filho e prazos longos.
(Congelar as cenas. Enquanto o pano desce, ouve-se o coro: "Quase US$ 1 bilhão para colonos estrangeiros? Para a reforma agrária, não tem dinheiro. Para infra-estrutura dos assentamentos, não tem dinheiro. Para refinanciar dívidas dos agricultores brasileiros, não tem dinheiro. Para plantar, não tem dinheiro. Isso é uma palhaçada. Valhei-nos, os deuses, diante de tanta desfaçatez".)

Texto Anterior: A economia e o PSDB
Próximo Texto: Previdência argentina vai a US$ 4 bi
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.