São Paulo, terça-feira, 3 de setembro de 1996
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O papel e os incentivos fiscais

LUÍS NASSIF

No atual processo de globalizaçao da economia, um dos setores que o Brasil aparente dispor de vantagens comparativas é o de papel e celulose. Sob o sol brasileiro, o eucalipto consegue produzir a partir do sétimo ano -uma vantagem considerável contra os 15 anos de média de outros países.
Este ano, o setor deverá exportar dois milhões de toneladas de celulose e 1,5 milhão de papel. Na balança comercial, significarao US$ 2,5 bi lhoes de exportaçoes, contra US$ 1 bilhao de importaçoes -concentradas em papel imprensa e para livros. Além disso, emprega 100 mil pessoas diretamente, e 40 mil em atividades indiretas (transporte de madeira, por exemplo).
A questao é que, se nao forem realizados esforços de investimento, em poucos anos a balança comercial do setor poderá ser deficitária.
É isso o que sugere estudos setoriais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), levantados pela Associaçao Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose, em reforço às suas reivindicaçoes.
O BNDES estima que o consumo mundial do setor deverá crescer 3,8% ao ano nos próximos anos.
No caso brasileiro, a estimativa é de crescimento anual da ordem de 5% para o período 96/2000 e de 6% para 2001/2005, estimulado pelos programas sociais e educacionais do governo.
Mantida a atual capacidade de produçao, em 1998 o Brasil passaria de exportador a importador de papel.
Ameaças
As ameaças externas sao de duas ordens, explica Osmar Zogbi, presidente da Associa çao. Numa ponta, pesquisas estao gradativamente reduzindo o prazo de maturaçao de árvores em outros países.
Na outra ponta, há série de incentivos nacionais, que acabam compensando a desvantagem climática. No Chile, 75% dos investimentos sao abatidos como despesas. Nos Estados Unidos e Canadá, o reflorestamento se faz em terras do governo, sem custo de investimento para as empresas. Na Suécia e na Finlândia, produziu-se desvalorizaçao cambial da ordem de 50% apenas para atender ao setor -que responde por 35% do PIB nacional.
Incentivos
Para fazer frente à demanda, até 2005 o setor necessitará de investimentos da ordem de US$ 10,8 bilhoes -além dos US$ 3,1 bilhoes em andamento. Esses investimentos permitirao ampliar a capacidade produtiva de celulose em 74% e de papel em 43%, e as exportaçoes em 60%.
No Brasil, o setor se formou em cima de incentivos a reflorestamento e financiamentos de longo prazo do BNDES.
A falta de controles na aplicaçao dos recursos gerou um dos grandes escândalos dos anos 70. Mas no setor, o dinheiro nao foi desviado -sustenta Zogbi. Aplicou-se um bilhao de dólares em reflorestamento e o setor, hoje em dia, paga anualmente um bilhao de dólares em impostos.
Para manter a competitividade, o setor apresenta série de reivindicaçoes, algumas já atendidas: Reduçao do custo do investimento.
Pelos dados do setor, o mesmo investimento na implantaçao de uma fábrica sai por um bilhao de dólares no Brasil e 850 milhoes nos Estados Unidos. Com a isençao do ICMS sobre importaçoes de equipamentos -aprovado na semana passada-metade do problema foi resolvido. Persistem o IOF sobre financiamentos de prazos mais curtos (necessários para equilibrar fluxo de caixa), e o PIS-Cofins.
O segundo pleito -também atendido- é a melhoria nas condiçoes gerais de financia mentos, de maneira a compatibilizá-los com as condiçoes internacionais.
O BNDES está acenando para o setor com o FAT cambial, mais 8% de juros ao ano, mais acessível que a TJLP mais 5%. O prazo de carência foi ampliado de 6 para 18 meses e o prazo máxi mo de 8 para 12 anos. Além disso, tendo o BNDES como avalista, o setor nao terá dificuldades em captar financiamentos internacionais
Mesmo assim, Zogbi alega que os investimentos nao se realizarao, se nao for atendido o último pleito: a permissao para abater os novos investimentos como despesas.
Normalmente, o fluxo de caixa de um investimento no setor é negativo nos 11 primeiros anos. Podendo abater investimentos como despesas, haveria equilíbrio nos 11 primeiros anos, e superávit no período seguinte.
A questao é essa. Incentivos sao instrumentos legítimos de política industrial. Mas os enormes escândalos acumulados no decorrer dos anos 70 e 80 tornaram a opiniao pública extremamente refratária à sua utilizaçao.
É esse o grande dilema na definiçao de uma política industrial. Como reconstruir a legitimidade do sistema de incentivos, e definir critérios impessoais na sua concessao.

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