São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Carlos diz não ter vontade de deixar vício

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Carlos N. adora drogas e rock'n'roll. No último show de rock no Pacaembu, semanas atrás, passou uma noite na porta do estádio e outras 15 horas lá dentro, bebendo cachaça e fumando crack.
"Adoro isso, é da hora, bom demais, tipo sei lá", ele repete mexendo nos cabelos compridos e rindo com timidez.
Carlos tem apenas 15 anos idade e 14 meses de drogas, mas já viveu muitos perigos. "Assalto a ônibus é mais seguro. Um de nós, aquele que tiver a cara mais sanguinária, de psicopata mesmo, entra gritando, revólver na mão. O cobrador entrega o que tem na hora. Dá uns R$ 40,00, só para a farinha (cocaína) da noite."
Carlos já foi pego pela polícia cinco vezes, mas diz que sempre se safou. "Você entra na favela, paga as pedras e enfia na boca. Se os gambés (policiais) te pegam, mandam você encostar na parede, você engole as pedras."
O papel alumínio que envolve as pedras de crack impede que a droga se dissolva no organismo, o que pode levar à morte.
Carlos diz que nunca teve um revólver próprio, porque, se tivesse, acabaria vendendo para comprar drogas. "Quando preciso, empresto um."
Como muitos colegas que procuram o Proad, Carlos vem de família de classe média. O pai é um vendedor autônomo, tem casa própria, carro e telefone. É a mãe que o leva à terapia e tenta falar com ele sobre drogas.
"Meu pai já se cansou, todo dia me bota fora de casa."
Na esperança de afastá-lo das drogas, o pai já anunciou que os dois irão ao Japão trabalhar durante um ano. Carlos diz que já tem projetos para a volta. "Vai dar para comprar muita droga", diz.
Carlos deixou a escola na 8ª série e não pensa em voltar. No ano passado, quando começou a usar drogas, o dinheiro vinha das coisas de casa que vendia. "Vendi roupas da minha mãe, da minha tia, TV, furadeira, botijão de gás, até iogurte da geladeira eu vendia."
Quando não tinha mais o que vender, passou a participar de pequenos roubos e tentou a "viciar" o irmão mais velho. "Se ele entrasse nessa, iria precisar de mim para comprar as pedras, e eu tiraria a minha parte."
Carlos diz aos pais que está deixando o crack, mas confessa que ainda não mudou nada. "Não tenho vontade de sair dessa, pelo menos por enquanto. Vou ao Proad porque dá para conversar. O grupo é da hora, dá pra falar o que a gente pensa, ninguém te chateia."
(AB)

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