São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Brasil deve testar vacina genética contra vírus da Aids no ano que vem

VANESSA DE SÁ
ENVIADA ESPECIAL A CAXAMBU

O Brasil pode começar a testar, já no ano que vem, um novo tipo de vacina contra o vírus da Aids: a vacina genética. A notícia foi dada durante o 42º Congresso Brasileiro de Genética, em Caxambu.
"Esperamos fazer testes com o vírus da Aids em macacos e até mesmo no homem", disse Elíbio Rech, do Centro Nacional de Pesquisas em Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em Brasília.
Segundo ele, Amilcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), está estudando a técnica em humanos nos Centros de Controle e Doenças dos EUA (CDC) para trazê-la ao Brasil.
"Pretendemos desenvolver meios que nos permitam também usá-la contra outros tipos de doença, como a esquistossomose, hepatite e herpes", disse Sérgio Costa Oliveira, da Universidade Federal da Bahia.
Imunização genética
Rech faz parte de um grupo seleto de pesquisadores que trabalha com uma nova área da ciência: a imunização genética.
As vacinas genéticas se baseiam na introdução, no corpo, de um pequeno pedaço de material genético (DNA) chamado plasmídio.
Esse tipo de DNA não fica dentro do núcleo das células na forma de cromossomos, como acontece na grande maioria dos seres vivos.
Os plasmídios, presentes em grande parte das espécies de bactérias, ficam "soltos" dentro da célula e são capazes de ter uma vida independente, isto é, conseguem se dividir e produzir proteínas.
Eles também são capazes de carregar genes "estranhos" a ele, como um gene do vírus da herpes e mesmo do vírus da Aids, o HIV, que são introduzidos artificialmente por meio de técnicas de engenharia genética.
Acelerando a 1.500 km/h
O plasmídio é injetado nas células animais com a ajuda de um "gun" (revólver, em inglês).
O "gun" mistura características das pistolas de injetar vacinas convencionais com as de um revólver. Só que nas "balas", em vez de chumbo, é colocado DNA.
Outro tipo de "gun", usado em grandes animais, como bovinos, lembra um pequeno tambor.
"Como o material que vai ser injetado é microscópico, temos de criar uma onda de choque que tem como objetivo acelerar essas partículas até cerca de 1.500 km/h. E isso é conseguido com o gás hélio", diz Rech.
Segundo ele, o hélio cria uma onda de choque com velocidade maior do que a que seria criada por outros gases.
Uma partícula de ouro, escolhida por ser pequena e não destruir a célula ao entrar com velocidade elevada, é "coberta" com o DNA antes de ele ser injetado na célula animal. O ouro serve como uma espécie de "veículo transportador" do plasmídio.
Como a vacina funciona
O plasmídio é então injetado nas células da camada mais superficial da pele, a epiderme.
Após um período de tempo, o gene "estranho" que foi inserido no plasmídio passa a produzir proteínas.
Genes são trechos do material genético responsáveis pela produção de uma proteína.
As proteínas são idênticas às produzidas pelos vírus ou bactérias que foram "coladas" no plasmídio injetado pelo revólver no corpo do animal.
O sistema de defesa do organismo (sistema imune), fica então preparado para reconhecer os "corpos estranhos" e passa atacá-los. Resultado: a imunização do animal.
Contra herpes e febre aftosa
Grupos como o de Sérgio Oliveira, da Universidade Federal da Bahia, já estão testando vacinas contra o vírus do herpes em ratos.
Rech atualmente testa a vacina contra o vírus da febre aftosa de bovinos.
Outro grupo, como o de Vasco Azevedo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), prepara-se para começar testes contra o esquistossomo.
"A vacina representa uma grande vantagem, que é a de ser segura e estável, quer dizer, dispensar a refrigeração para a conservação. Isso, num país como o Brasil, é fundamental", disse Azevedo.
Segundo Rech, o custo da vacina é pequeno. "É mais barato mesmo se compararmos com as vacinas tradicionais. Uma quantidade infinitamente pequena de DNA já é suficiente para produzir resposta imunológica", diz Azevedo.
Um dos maiores problemas da vacina seria a possibilidade de o DNA se integrar ao material genético da célula, desregulando-o e podendo levar, por exemplo, a célula a se dividir desordenadamente, como acontece no câncer.
"Testes em animais ainda não mostraram isso", conclui Rech.

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