São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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A maconha vai virar remédio?

GILBERTO DIMENSTEIN

Mais famoso e controvertido especulador financeiro do mundo, George Soros resolveu apostar na idéia de que maconha é remédio. E colocou a mão no bolso, onde entra por ano US$ 1 bilhão.
Está para ser votado na Califórnia projeto que permite aos médicos receitar maconha aos pacientes, primeiro passo para a legalização generalizada.
Soros patrocina o lobby entre parlamentares, convencido por pesquisas de que a droga ameniza os efeitos da quimioterapia, facilita o tratamento de doenças musculares e o glaucoma, além de estimular o apetite dos doentes.
A votação vai comover os EUA, onde 5 milhões de pessoas consomem regularmente a maconha -65 milhões já experimentaram- e onde os políticos costumam advertir contra o risco de desintegração social por causa das drogas.
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Uma eventual aprovação do projeto na Califórnia deve se espalhar, mais cedo ou mais tarde, pelo resto dos EUA e, daí, relaxar a proibição em vários países.
No Brasil, por exemplo, o presidente Fernando Henrique Cardoso admite, em conversas reservadas, que o consumo de maconha não deveria ser crime -mas não quer arrumar uma briga com o governo norte-americano.
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O debate é recheado por montanhas de pesquisas que justificam ou atacam a descriminação da maconha.
O Centro de Drogas da Universidade Columbia, em Nova York, sustenta que a maconha é a porta de entrada para cocaína ou heroína.
Na semana passada, o centro divulgou estudo indicando que os pais que fumam ou fumaram maconha tendem a ser mais tolerantes com o consumo da droga pelos filhos.
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Os republicanos tentam adaptar essa tese para a sucessão presidencial. Insinuam que, como a Casa Branca está repleta de ex-usuários, entre eles Bill Clinton, haveria mais tolerância na guerra contra as drogas.
Daí o aumento de consumo entre jovens. Proposta: mais polícia e mais cadeia.
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Do outro lado da polêmica, médicos garantem que a maconha ajuda pacientes e que seria um crime privá-los dessa terapia.
Pesquisadores alegam que não há registro de morte provocada pelo excesso de maconha, ao contrário do cigarro e do álcool, ambos legalizados.
Consideram um absurdo prender um consumidor e alertam que a repressão está provocando mais problemas do que soluções. Essa tese tem adeptos no meio acadêmico e consegue patrocinadores milionários como George Soros.
Ele já desembolsou US$ 15 milhões em pesquisas sobre como tratar um viciado sem prisão.
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Não é muito dinheiro para Soros, o maior doador do planeta. Judeu, ele deixou a Hungria durante a Segunda Guerra Mundial sem um tostão no bolso, fugindo dos nazistas.
Ganha e gasta dinheiro com ousadia. Distribui, por ano, US$ 350 milhões por meio de 25 fundações espalhadas pela África, América e Europa Oriental.
Criou cursos de jornalismo investigativo na Europa Oriental, sustenta cientistas da ex-União Soviética para que não vendam segredos nucleares, deu bolsas para negros da África do Sul estudarem nas melhores universidades da Europa e dos EUA.
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Quase todos os US$ 350 milhões anuais em filantropia são aplicados fora dos EUA, mas, agora, Soros resolveu inovar -afinal, aqui não faltam manchas de Terceiro Mundo.
Vai drenar recursos para experiências dentro do país. Meta: reduzir o crime por meio da educação nos bairros pobres e violentos.
Pretende apadrinhar escolas, transformando-as em ilhas de excelência, dotadas de programas de ciência, artes e tecnologia.
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Os projetos seguem iniciativas bem-sucedidas. A escola não seria apenas um aglomerado de salas de aulas, mas um centro comunitário onde haveria aulas de orientação sexual, cursos de prevenção e tratamento de drogas; os pais seriam atraídos a participar.
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Quem tiver dúvidas da eficiência desses métodos não precisa ir longe. Basta conhecer a Mangueira, no Rio -um lugar pobre, cenário de tráfico de drogas.
Estive semana passada lá e vi como os esforços comunitários produziram um milagre: no ano passado, não houve um único registro em delegacia de crime cometido por adolescente na Mangueira. Repetindo, nenhum.
A explicação é simples. Com ajuda de empresas, em especial a Xerox, foram criados centros de lazer e esporte.
Foram desenvolvidos cursos profissionalizantes, conveniados com 120 empresas. Eles ensinam os jovens a trabalhar na preparação dos desfiles das escolas de samba.
Preocupada com a educação de seus filhos, a comunidade reduziu a evasão escolar.
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PS - Exato fenômeno se reproduz na favela Monte Azul, em São Paulo, onde há 17 anos existe um esforço comunitário em torno de programas de saúde e educação.
Os resultados foram tão bons que delegados da região resolveram fazer uma pesquisa para saber por que não havia crime por ali.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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