São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Agentes secretos iraquianos aterrorizam os curdos de Arbil

Libération
de Paris

JEAN-PIERRE PERRIN
EM ARBIL

Muitos habitantes de Arbil dizem que "eles" não foram embora, que "eles" continuam na cidade. Para identificá-los, há um indício que nunca engana: apesar de usarem a roupa tradicional dos "peshmergas" (guerrilheiros curdos), é em árabe, e não em curdo, que conversam nos restaurantes de Arbil. "Eles" são os homens, os aterrorizadores agentes secretos iraquianos.
Tendo chegado no sábado passado com as tropas de elite de Saddam Hussein, não teriam deixado a cidade após a retirada. Sua presença continua provocando medo.
Na manhã de 31 de agosto, as forças do Partido Democrático do Curdistão (PDC), de Massoud Barzani, apoiadas por tanques e artilharia iraquianos, atacaram Arbil, capital curda no norte do Iraque, sob controle do partido rival, a União Patriótica do Curdistão (UPC), de Jalal Talabani, desde dezembro de 1994.
O território curdo iraquiano, na prática independente, se encontra dividido entre esses dois partidos. Mesmo antes dessa independência na prática, obtida graças à proteção dos aliados ocidentais depois do fim da Guerra do Golfo, os dois partidos já não se entendiam.
As razões da divisão têm pouco a ver com ideologia e muito com rivalidades tribais e divergências pessoais.
Diante do avanço dos iraquianos, membros da UPC recuaram rapidamente. A cidade foi tomada em questão de horas. O que se seguiu foi uma caçada humana na cidade de 600 mil habitantes.
Segundo as agências humanitárias ocidentais, os curdos do PDC perseguiram os homens da UPC, enquanto os soldados e agentes secretos iraquianos faziam o mesmo com os opositores de Saddam.
"Os iraquianos invadiram um escritório ocupado pelos opositores, perto da sede de minha organização. Não sei se conseguiram escapar", disse um representante de uma entidade francesa.
Mas houve poucos saques em Arbil. "Foi muito diferente de 1994, quando os guerrilheiros da UPC tomaram a cidade", acrescenta a mesma testemunha.
Os acontecimentos recentes deixaram poucas marcas na cidade. A atividade comercial já foi retomada. As lojas estão com bons estoques. Apesar disso, existe um problema sério: não há luz nem água.
O PDC acusa a UPC de impedir o restabelecimento do fornecimento de eletricidade; a UPC diz que a rede foi danificada pelos combates.
Os sentimentos da população após os últimos acontecimentos são mistos. O dono de um salão de cabeleireiros está indignado com os conflitos entre curdos. "Tenho saudades da época de Saddam Hussein. Pelo menos havia ordem na cidade", diz ele.
Mas dois jovens ourives reagem: "Não, não queremos Saddam. Os curdos é que precisam se reconciliar. Saddam, nunca mais".
Os dirigentes do PDC procuram minimizar as violações cometidas pelos iraquianos, mas não chegam a negar que tenham ocorrido.
Quanto à reconciliação com Saddam Hussein, que mandou massacrar parte da família de Barzani e cerca de 8.000 pessoas de sua tribo, ele a justifica com o grito de alarme lançado ao Ocidente e que ficou sem resposta.
"Pedimos ajuda quando as forças da UPC nos atacaram. Mas só Saddam respondeu", diz Abdul Rahman. "Para que serve uma zona protegida se ela não é defendida em caso de ataque?" "Os iraquianos não são bons, mas os iranianos são ainda piores. E a verdade é que Bagdá tem mais direitos sobre o Curdistão do que Teerã", acrescenta outro dirigente do partido.

Tradução de Clara Allain

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