São Paulo, sábado, 21 de setembro de 1996
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Tangolomango ou a dança dos caiporas

CAETANO LAGRASTA NETO

O assalariado, dentro em breve, estará às voltas com mais uma reforma do governo FHC e, lógico, será "engrupido como otário", numa linguagem de tango e milonga, adequada ao sarau dançante imposto pela fúria legiferante que -imagine-se- pretende, dentre outras coisas, tornar o brasileiro menos caipira, ou melhor, caipora.
As constantes fraudes denunciadas no INSS, que já conduziram funcionários públicos, advogados, procuradores e juízes até à prisão, não são suficientes para demonstrar a inutilidade dessa nova privatização: a do seguro de acidentes do trabalho. Tentam governo e economistas encontrar mais um veio que escoe para longe das garantias à cidadania, ao obrigar o retorno ao sistema privado daquilo que as seguradoras, nos idos de 1970, após arrecadarem polpudas contribuições, devolveram à responsabilidade pública. Alegaram, então, que, sendo a indenização aos acidentados obrigação essencial do Estado e estando elas à beira da insolvência (nunca comprovada), melhor seria disso excluir a iniciativa privada.
Assim, as seguradoras aproveitaram-se das contribuições e no momento de pagá-las devolveram ao Estado a função de garantidor da indenização aos acidentados, indo procurar novos campos de reduzido investimento e lucro desenfreado, como por exemplo seguro de veículos ou de vida. A incúria e incapacidade estatais têm permitido o desvio das contribuições e o INSS também alega situação de insolvência -sempre em prejuízo da verba alimentar do operário e de sua família, num perpétuo tangolomango.
Hoje, somente no Estado de São Paulo, temos na Vara de Execuções de Acidentes de Trabalho -que funcionará até a extinção do acervo- por volta de 20 mil processos, alguns deles em andamento desde a década de 70, graças aos recursos, em sua maioria inúteis e protelatórios, interpostos pelo INSS. A isso acrescem-se as decisões, ainda não definitivas, dos Tribunais Superiores que obrigam o trabalhador a perceber o pagamento do seguro de acidentes, submetendo-se à fila dos precatórios, como se se tratasse de uma indenização qualquer.
Pois bem, se esse seguro retornar ao sistema privado para que os acidentados recebam os "prêmios", será que as seguradoras, junto com a milionária possibilidade de arrecadação de contribuições, serão obrigadas a pagar as execuções em andamento? Ou isso será novamente assumido pelo contribuinte, digo, pelo Estado, diante da defesa do sistema privatístico revelado como prioridade essencial deste governo, ao contrário da saúde, educação e segurança?
Nova "via crucis" será imposta aos operários cegos, aleijados, tuberculosos, surdos e envenenados. Para esses, restará apenas a esperança de que as filas dos doentes e acidentados, agora sob responsabilidade privada, sejam mais bem organizadas.
Enquanto isso, desconstitucionalizada a Previdência, projetos de lei ordinárias serão apresentados e, enquanto não aprovados, baixará o governo medidas provisórias, e, por meio das novas súmulas vinculantes, colocará a salvo as seguradoras enquanto os acidentados continuarão a morrer antes de conseguir alcançar a fila...

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