São Paulo, sábado, 21 de setembro de 1996
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Diário (fúnebre) da Justiça

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Os servidores e agentes públicos relacionados com o Poder Judiciário lêem diariamente o "Diário da Justiça". Assuntos profissionais e administrativos surgem na folha oficial, justificando a leitura. No Estado de São Paulo essa atividade tem parecido a da pessoa que, ao abrir o jornal, vai, primeiro, à seção fúnebre, para saber quem se foi e (numa espécie de aflição mórbida) para se certificar de que seu próprio nome não está relacionado.
É que o atual corregedor-geral da Justiça, desembargador Márcio Martins Bonilha, ampliando a trilha de seu antecessor, desembargador Antonio Carlos Alves Braga, tem desenvolvido intensa atividade de disciplinamento dos serviços judiciais e extrajudiciais, punindo muitos funcionários, alguns dos quais com dezenas de anos de serviço. Como as punições -explicadas em longos arrazoados no "Diário da Justiça"- saem quase todos os dias, abrir a publicação oficial assumiu o tom funéreo que mencionei de início.
A fiscalização dos serviços da Justiça é dever precípuo dos juízes corregedores, em cada comarca e, em nível estadual, da Corregedoria Geral da Justiça. Assim, a reação de quem vive o ambiente judicial reconhece que os serviços do foro judicial e extrajudicial estavam precisando da cuidadosa revisão disciplinar de seu trabalho, ora em curso.
Os cartórios do foro judicial são conduzidos por servidores públicos, pagos pelo Estado. Os do foro extrajudicial (hoje denominados "serviços" para evitar a depreciada palavra "cartório") são pagos pelas partes. São serviços de notas, de protestos, de registros de imóveis, de títulos e documentos e do registro civil. Após muitos anos sem fiscalização mais atenta, alguns de seus titulares (agora como delegados do Poder Público) descuraram de seus deveres, transferiram responsabilidades irregularmente, sonegaram impostos. Uns poucos corromperam-se.
Assim, a campanha disciplinadora merece aplausos. O corregedor-geral a conduz com um grupo de jovens juízes -dos quais se diz que o prato predileto é o fígado alheio- provocando clima de susto entre os servidores. As providências, contudo, vieram em boa hora. Eram necessárias.
Como é comum nas expedições punitivas em massa, seus efeitos finais somente serão avaliados dentro de alguns anos. Os recursos estão sendo interpostos e lentamente julgados. Ou não julgados. Terminarão no Supremo Tribunal Federal. O corregedor-geral e juízes, nas comarcas, por exemplo, têm aplicado pena equivalente a demissão a tabeliães e registradores. Entendo que são decisões ilegais e inconstitucionais. Na administração, quem tem poder de nomear e demitir aqueles agentes públicos é o Poder Executivo.
Outro exemplo de ilegalidade está na divulgação de acusações colhidas em sindicâncias preliminares. Fere a presunção de inocência. Ofende a intimidade do atingido, imputando fatos que só se terão por verdadeiros depois (nunca antes) da decisão condenatória definitiva, assegurada a ampla defesa. É a prática da ilegalidade, sob desculpa de punir ilegalidades.
Virá o tempo em que, abaixada a poeira, será possível avaliar os efeitos das providências moralizadoras. As coisas também chegaram onde chegaram porque muitos juízes, encarregados das correições, não cumpriram seus deveres. Para eles, porém, os olhos da disciplina sempre foram mais doces. Mas, entre o exagero da antiga disciplicência e o da súbita severidade, ainda se atingirá o equilíbrio, cuja média final promete ser boa para a Justiça.

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