São Paulo, sábado, 21 de setembro de 1996
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Skank não quer lidar com embaraços do sucesso

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em texto publicado ontem na Ilustrada, Chico Amaral -saxofonista e letrista da banda Skank- menciona meu nome quatro vezes, sempre de modo deselegante.
À agressividade do músico, poderia responder com argumentos unicamente jornalísticos. Mas não. Prefiro fazê-lo ponderando sobre as armadilhas do sucesso.
No último dia 6, após ouvir o poeta baiano Ajax Jorge da Silva, que se diz autor de letras do Skank, liguei para a banda. Falei com o empresário Fernando Furtado.
Procurei ser o mais claro possível. Expliquei que Ajax exibia manuscritos das letras autenticados em cartório. Que pretendia acionar o Skank judicialmente. Que contava com o apoio de três advogados -entre eles, um ex-secretário de Justiça da Bahia.
Contei, ainda, que o correspondente da Folha em Salvador, Luiz Francisco, estivera na casa de Ajax e examinara os documentos. Que também consultara o cartório onde o poeta diz tê-los autenticado.
Informei que a imprensa baiana já abordara o caso, e que a MTV entrevistara Ajax dias antes. Manifestei a intenção de produzir uma reportagem isenta. Para tanto, reiterei, precisava ouvir a banda.
Em vão. Nenhum integrante do Skank se dispôs a conversar. Telefonei inúmeras vezes para o grupo nos dias 7, 8, 9 e 10. Só silêncio.
Pensei, então: por que se calam? Por que insistem em ignorar um fato que, afinal, tem raízes no próprio sucesso da banda?
A Folha não inventou Ajax. Ele está lá, em Salvador, brandindo manuscritos e acusações. A reportagem -que saiu no dia 11- cumpriu seu papel e as relatou. Apontou contradições nos argumentos do poeta e jamais os endossou.
Pode-se questionar se o jornal deveria abrir espaço ou não para o baiano. É uma dúvida honesta. A banda tem o direito de levantá-la. Mas não poderia, nunca, tomar Ajax por miragem. Ignorá-lo.
As declarações do poeta, mentirosas ou não, só ganharam a mídia porque o Skank vendeu quase 2 milhões de discos. Como o fã que se matou recentemente por causa da cantora Bjork, Ajax é a consequência espinhosa do sucesso -tão pródigo em luzes, tapinhas nas costas, troféus e dinheiro.
O texto de Chico Amaral torna evidente que a banda não sabe -e não deseja- lidar com o embaraço. "Simplesmente julgamos a reportagem absurda e ofensiva demais para querermos dela participar", escreveu o compositor.
Há artistas que agem de outro modo. Guardadas as proporções, cito um episódio com Gilberto Gil nos anos 70. A polícia elegeu-o como bode expiatório e o prendeu por porte de maconha. O que fez o músico? Escondeu-se? Saiu assoviando como se não fosse com ele?
Nada disso. Encarou o assunto de frente. Vale a pena relembrar o que disse à época:
"Sou uma figura nacional, qualquer coisa que aconteça comigo está acontecendo com todo mundo. (...) Podia ter tentado fugir da situação, mas achei que não era hora. Era preciso que (...) alguém tivesse correção bastante para dizer às pessoas o que é verdade, como é que são as coisas."
E como são as coisas para o Skank? A indignação tardia (por que só agora?) de Chico Amaral não deixa dúvidas.
O compositor de Minas prefere implicar com o tratamento que dou a Ajax ("a Folha fica o tempo todo chamando o marginal de poeta"). Ora, o baiano -"semi-analfabeto", nas palavras do mineiro- faz poemas, me mostrou muitos deles, me apresentou a conhecidos que o têm por poeta.
Quem sou eu para não o chamar assim? Diferentemente do saxofonista, não acho que dominar a norma culta da língua seja pré-requisito para escrever versos.
O músico insinua, por fim, que desconheço as letras do Skank. Engana-se. Sei cantá-las de memória.

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