São Paulo, sábado, 21 de setembro de 1996
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A Vale do Rio Doce

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Na área da arquidiocese de Mariana e nas dioceses vizinhas, muitas famílias encontram trabalho e condições de desenvolvimento graças à Companhia Vale do Rio Doce.
Considero um dever de cidadania unir-me àqueles que desejam colaborar com as instâncias decisórias do país para um discernimento adequado sobre o futuro dessa empresa que honra o Brasil.
Existem, sem dúvida, aspectos positivos nas privatizações de empresas estatais. Com efeito, nem tudo compete ao Estado, que deve obedecer ao princípio de subsidiariedade, respeitando a competência da sociedade organizada.
No entanto, a CVRD apresenta algumas características que requerem uma análise mais abrangente e demorada.
Há vários anos tenho tido a oportunidade de visitar diferentes setores da Vale. Impressionam a grandeza dos empreendimentos, o avanço tecnológico e o espírito de companheirismo entre dirigentes e funcionários.
No processo de discernimento não podem faltar os aspectos éticos.
1) A CVRD explora a maior reserva mundial de minério de ferro. São enormes, também, as reservas de ouro, manganês, cobre e potássio. Quem pode avaliar com exatidão o preço desse patrimônio mineral?
Não se justifica que essa riqueza pertencente ao povo brasileiro seja alienada sem antes ampliar o debate no Congresso e à participação popular.
2) A companhia conta com tecnologia moderna e competente administração. Vem aumentando a produção e garante dividendos à União Federal.
A quem aproveitaria a eventual venda da Vale? Se os novos acionistas forem estrangeiros, não haveria perigo de passar seu controle para um grupo multinacional concorrente, que poderia até ter interesse em congelar seu desenvolvimento? Se a Vale é a galinha dos ovos de ouro, por que, em vez de continuar vendendo os ovos, vamos perder a galinha?
3) Circulou a notícia de que parte do produto da venda caberia aos Estados nos quais a Vale opera. Não se vê a justificação ética dessa proposta. Por que motivo os outros Estados ficariam privados de uma riqueza nacional?
4) Existe outra exigência ética que não pode ser preterida. Trata-se da participação dos trabalhadores na gestão da empresa (lei 8.031/90) e da oferta das ações de sociedades incluídas no programa de desestatização (decreto 1.204 de 29/7/96). Qual seria o percentual e o deságio justos na participação dos funcionários que elevaram a Vale ao nível excelente em que se encontra?
5) O governo tem atualmente a propriedade de 51% das ações. Anuncia-se que ficaria apenas com 6% e venderia 45% das ações a um bloco de controle (Valecom). Se houver vários compradores, o controle efetivo de todo o grupo poderá se obtido por uma quantia relativamente pequena (talvez R$ 1 bilhão). Vale a pena perder o controle da Vale por tão pouco?
A promoção do bem comum pode exigir que certos bens continuem sendo patrimônio de todos. Com o auxílio divino, não faltará prudência aos governantes.
Eis nossa esperança.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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