São Paulo, sábado, 21 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O extremismo agrário

FRANCISCO GRAZIANO

O sonho da reforma agrária está se transformando num pesadelo. De uma causa nobre, a favor do desenvolvimento nacional, está sendo desvirtuada para um jogo de interesses menores, uma queda-de-braço entre milícias organizadas. O brado histórico contra o latifúndio virou uma luta de posições políticas, uma cena policial.
A UDR é uma expressão caipira da ignorância humana. Sua recriação era um fato aguardado nesse triste show de confusão que abastece a mídia nacional. Antes disso, era o MST contra o governo. Agora, teremos o MST contra a UDR. E o governo ficará de qual lado? Quem faz sua aposta?
Pobre debate. O MST radicalizou sua ação, culpando a inoperância governamental. Provocou os fazendeiros e agrediu a propriedade. A UDR ressurge para confrontar esse extremismo do MST. Ponto para os radicais. Ótimo para a mídia. Péssimo para a democracia.
Ninguém discorda de que o Brasil precisa dividir a terra para ser mais justo. Temos hoje perto de 6 milhões de produtores rurais. Se fossem 10 milhões, seria melhor, desde que os agricultores vivessem bem. Para tanto, a tecnologia é fundamental, garantindo produtividade e renda. Segurança alimentar com a propriedade democratizada.
Para essa tarefa, uma reforma agrária moderna, os assentamentos rurais são necessários. Mas não representam o fundamental. Nos Estados do Centro-Sul, a terra está produzindo. O latifúndio transformou-se em grande empresa agrícola. Continua grande, mas produtivo. Como desapropriá-los? O que fazer?
Outras políticas fundiárias precisam ser acionadas: a colonização de novas fronteiras; o apoio aos agricultores familiares; a regularização da terra dos posseiros; o imposto sobre a grande propriedade; as políticas sociais do campo; cidadania aos trabalhadores rurais; geração de empregos nas agroindústrias; cooperativismo.
Esses são os ingredientes da reforma agrária de que o Brasil precisa hoje. Uma reforma a favor da produção, negociada nos marcos da democracia, pactuada entre os agentes sociais. Uma reforma ampla, regionalizada, planejada, mais complexa que a velha receita agrária dos anos 50.
Com o ressurgimento da UDR, esse caminho da modernidade está sepultado de vez. Não há mais espaço para a negociação, nem para o diálogo. Voltamos à estaca zero. Antes, o MST cortava cercas e, com a faca no pescoço, negociava com o governo. Agora, a UDR exibe metralhadoras para defender a propriedade. Tudo em nome da lei e da justiça. Salve-se quem puder.
O MST e a UDR tornaram-se frutos da intransigência humana. No fundo, talvez se adorem. Assim como o amor e o ódio se aproximam, essas organizações dependem hoje uma da outra para subsistir. Os extremos vivem das desavenças. E se destroem mutuamente.

Texto Anterior: A Vale do Rio Doce
Próximo Texto: Longe da verdadeira reforma
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.