São Paulo, sábado, 21 de setembro de 1996
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Longe da verdadeira reforma

JOSÉ ELI DA VEIGA

As fracas terras do Pontal são públicas e deveriam ter sido preservadas como reserva florestal. Mas foram griladas a partir dos anos 50, com a conivência de vários governos. Para formar pastos, boiadeiros permitiram que famílias de parceiros, arrendatários e empregados mantivessem lavouras de subsistência enquanto derrubavam a mata e semeavam capim.
Em seguida, não precisando mais dessa gente, os baronetes do gado dispensaram levas de agricultores, que se tornaram peões nas barragens da Cesp. Não demorou para que engrossassem a enorme legião de párias que perambulam pelo Brasil afora em busca de um ganha-pão. E acabaram retornando ao Pontal com a esperança de obter um pequeno lote de terra pública.
A ilegitimidade da ocupação do Pontal só começou a ser seriamente questionada depois da volta das eleições diretas para o governo do Estado. Mas a recuperação desse patrimônio público pela via judicial mostrava-se extremamente lenta e cara. Barganhar com os ruralistas parecia mais viável.
O governo legalizaria parte de suas posses para arrecadar outra parte com rapidez e menor custo. Infelizmente, essas negociações se arrastam há 14 anos sem produzir resultados significativos. Principalmente por causa dos rábulas interessados na disputa judicial, que perderão uma mina de ouro se surgir uma solução negociada.
A UDR paulista representou esses interesses. Por isso nunca foi bem-vista pelos verdadeiros reis do gado e nunca teve muito sucesso com fazendeiros de outras regiões. Não é coincidência ela ser presidida justamente por um advogado que agora tem três fazendas com um total de 800 alqueires (Folha, 19/9, pág. 1-10).
É certo, portanto, que seu reaparecimento dificulta a arrecadação administrativa de parte das terras públicas do Pontal. Mas não prejudica as negociações pela reforma agrária no país. E a razão é muito simples: não há qualquer reforma agrária sendo negociada no Brasil. O que as circunstâncias políticas permitem, e o que está na agenda do governo, é a meta de assentar 280 mil famílias no quadriênio 95/98, a um custo estimado em R$ 14 bilhões (fora a manutenção do Incra). E assentar 70 mil famílias por ano não altera em nada a estrutura fundiária brasileira.
As reformas agrárias que tiveram êxito foram rápidas, custaram pouco e beneficiaram milhões de famílias. A do Japão, por exemplo, praticamente confiscou as terras dos grandes proprietários, transferindo um terço da área agrícola do país a 4 milhões de famílias em apenas 21 meses. No Brasil de hoje, só é desapropriado quem quer e pode aguardar com calma a sentença judicial que lhe atribuirá uma indenização de valor escandaloso. É isso que impede a reforma agrária. Em comparação, a volta da UDR do Pontal é uma gota d'água num oceano.

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