São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Isso não é Hollywood

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O cinema brasileiro é objeto de um grande investimento psicológico.
Uma dinâmica conflitiva de desejo, fantasia, realidade e frustração parece reger os comportamentos em torno dessa fatia da cultura como não acontece em nenhuma outra.
Ninguém surta pelo fato de o Brasil não ter, por exemplo, uma produção consistente na área de música erudita contemporânea ou não dar sinais de novos Drummonds e Rosas na literatura -no primeiro caso não importa muito, e nos outros já mostramos o que somos capazes. Não temos a menor dúvida, também, de que nossa música popular está entre as melhores do planeta, que sabemos fazer TV, artes plásticas e até publicidade.
O cinema, porém, parece existir, como a crase, para nos humilhar. Há um indisfarçável complexo de inferioridade diante dos filmes que produzimos -pontualmente amenizado pelas conhecidas "exceções geniais".
Seria incorreto dizer que esse sentimento é a manifestação de um complexo de inferioridade mais amplo, em relação aos EUA? Creio que não. É o cinema americano que, na realidade, nos humilha.
Ainda que um Almodóvar pudesse nos satisfazer, não é à Espanha que queremos responder, mas aos EUA -eles que dominam e impõem as convenções consagradas do gênero.
Convenções que todos introjetamos e que nossos filmes ignoram, para desespero de quem só falta suplicar: "Quando, afinal, faremos um filme americano decente?".
É certo que esse estado psicológico gera pressões, desabafos e impaciências, que têm como alvo os cineastas.
São eles as vítimas do complexo, já que não conseguem resolvê-lo para nós.
Mas é verdade, também, que o drama não pode ser explicado apenas por esse desvio de recepção. Não é simplesmente por estarmos "colonizados" pelo áudio-visual de Tio Sam que vivemos a nos decepcionar com nossos próprios filmes.
Há um dilema a ser resolvido, não só econômico, mas formal.
Que cinema é esse, diferente do americano, que poderia de fato nos conquistar?
Para que se tenha a resposta é preciso, além de história, quantidade.
Só de uma massa de filmes, como a que se anuncia, é que poderá surgir, entre erros e acertos (e espírito crítico), os paradigmas que nos salvarão dessa falha torturante.
Ou estaremos eternamente condenados às "exceções".

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