São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Para Malan, reeleição traz estabilidade

KENNEDY ALENCAR
EDITOR DO PAINEL

Ministro da Fazenda descarta mudar política econômica e diz que país caminha para crescimento sustentado

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, defende a aprovação da reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso como uma forma de garantir estabilidade política e econômica para o país.
Avalia que os mandatos de quatro anos sem reeleição antecipam as campanhas presidenciais: "Não é boa a situação de, com um ano e meio de governo, antes de completar a metade do mandato, uma sucessão presidencial já estar em pleno andamento".
Malan trata o tema reeleição com cuidado: "Não é prorrogação nem reeleição, como infelizmente é sugerido. É disputar a preferência popular como qualquer outro".
O ministro descarta mudar a política econômica para beneficiar a aprovação da emenda da reeleição, contrariando expectativa dos operadores de FHC no Congresso.
"Seria o mesmo que dar um tiro no pé, derrubando o programa para tentar conseguir algo que pode ou não se materializar."
Sobre as recentes medidas para as dívidas dos Estados, diz que não haverá solução genérica, "e que uns terão que fazer mais esforço que os outros".
Com 53 anos, Malan é visto hoje por FHC como um dos ministros que passam mais credibilidade ao defender o governo. Brinca ao comentar os incentivos que o Planalto lhe faz para ser mais político.
Algum coisa mudou em Malan, que sempre enfatizou que era um técnico em uma função política.
Recentemente, levou a família a uma passeata contra a violência no trânsito no Distrito Federal.
Fala que o país não é uma ditadura, ao comentar a demora em se fazer a reforma tributária e fiscal, vendidas na campanha de 1994 como as mais urgentes.
Diz que, se votasse em São Paulo, optaria por José Serra para a prefeitura, com quem teve divergências no ministério. A seguir, os principais trechos da entrevista:
*
Folha - O que o sr. acha da análise da comunidade internacional de que o desequilíbrio fiscal está criando uma bomba-relógio que, mais dia, menos dia, explodirá o Plano Real?
Pedro Malan - A mim causa estranheza que, de repente, alguém em inglês, em francês, em alemão ou javanês apresente isso como um crítica nova ou um alerta que o governo desconhece.
Desde maio de 1993, dizemos exatamente isso. O grande desafio a enfrentar seria lidar com o descalabro administrativo-financeiro.
O relevante é o que estamos fazendo. A situação fiscal em 96 será melhor que em 95, em 97 melhor que em 96, e em 98 melhor que em 97. O importante é olhar a direção em que estão caminhando as coisas.
Um fenômeno que só agora a maioria dos brasileiros se dá conta é que a estabilidade, como disse o governador Antônio Brito (RS), fez um striptease nas finanças dos Estados. Mas fez também nas do governo federal, dos municípios, das empresas.
A deterioração da situação fiscal de 94 para 95 é um efeito disso. Foi o primeiro ano em que todo o calendário teve uma taxa de inflação civilizada. Estamos aprendendo a conviver com uma inflação que é a menor desde 1957. Dois terços da população brasileira nasceram após essa data.
Folha - Na campanha de 94, a equipe econômica vendia as reformas tributária e fiscal como as mais urgentes. Mas, em 20 meses de governo, elas não foram priorizadas. Se o problema fiscal é conhecido há três anos, por que ele ficou para trás?
Malan - A parte que era a mais urgente da reforma tributária acabou de ser votada no Congresso, que é a desoneração do ICMS sobre exportações e sobre máquinas e equipamentos também.
O que sobrou é complexo porque somos um república federativa, que envolve negociações entre União e Estados. A reforma tributária na Alemanha está em discussão há mais de oito anos.
Isto aqui não é uma ditadura. Não estamos mais ao abrigo do AI-5. Não é o governo federal decidir que uma coisa vai ser feita, e ela está feita no dia seguinte. Como nas democracias modernas, temos de ter uma passagem de convencimento perante o Congressso e a opinião pública.
O equívoco de interpretação foi achar que o Real entraria em colapso imediatamente se o governo Fernando Henrique Cardoso não aprovasse todas as reformas no primeiros meses de sua gestão, como se fosse uma questão de atos de voluntarismo explícito do governo.
Folha - Mas o discurso da urgência das reformas para o bem do Real era do próprio governo...
Malan - Imagine se o governo dissesse: olha, estou encaminhando umas reformas para o Congresso e vocês podem sentar em cima delas que não há a menor importância.
Folha - Haverá solução comum para a dívida de todos os Estados?
Malan - Insistimos com os Estados que estamos no mesmo barco. O governo não vai considerar que o problema é só deles. Mas cada caso é um caso. Não é possível ter soluções genéricas que se apliquem indiscriminadamente.
Há Estados que comprometem com a folha de pagamento 105% da arrecadação. Outros gastam 60%. Então, uns terão que fazer mais esforço que os outros. A diferença fundamental é que o jogo mudou. Gerir finanças públicas com inflação alta é uma coisa. Com inflação baixa, outra.
Folha - A classe política não estava preparada para governar com estabilidade?
Malan - Isso é um processo de aprendizado que não surge de um dia para o outro. Tem uma piada que o Cabral (Luis Carlos Cabral, assessor de imprensa) me proibiu de contar que ilustra isso.
É sobre a conversa de duas pessoas em um "pub" (bar) irlandês. Um sujeito diz para o outro: "Realidade...ah, a realidade". E o outro responde: "Meu amigo, isso que você chama de realidade nada mais é do que uma aguda escassez de álcool".
Às vezes, me vejo do mesmo jeito com alguns interlocutores. Fico falando sobre a nova realidade, que é de uma inflação baixa. E é como se um deles me dissesse: "Ministro, essa realidade que o sr. pede para nos adaptarmos nada mais é do que uma aguda escassez de inflação".
Sob certo sentido é verdade. Parte dos problemas que estamos tendo hoje não estariam aí se houvesse a inflação de 20%, 30% e 40% ao mês. Só que teríamos outros que seriam muito piores.
Nós somos os recordistas mundiais de inflação. Nunca um país teve durante tanto tempo taxas tão altas. Nos 12 anos anteriores a 1993, tivemos sete anos de queda do PIB "per capita" no Brasil. Achar que estávamos melhor é ter memória curta.
Folha - O presidente disse que a inflação hoje é página virada e que começará a fase do crescimento. A inflação está vencida?
Malan - Se for lido o conteúdo de toda a fala do presidente, ao falar de página virada, ele estava se referindo àquela situação de inflação de 20%, 30%.
E disse claramente que não podemos esmorecer para ter a inflação sob controle.
Existe uma versão claramente equivocada de que há um tempo de reduzir a inflação, um tempo de estabilizar e um tempo de crescer. Essas coisas caminham juntas para as condições de um crescimento sustentado a longo prazo.
Não haverá bolha de crescimento. Qualquer incompetente sabe acelerar o nível de atividade de uma economia no curto prazo. Basta acelerar o gasto público, não ter limitação a endividamento, seja de empresas, seja de órgãos dos três níveis de governo.
Isso não nos interessa. 1997 vai ser o quarto ano em 50 em que teremos inflação abaixo de 10%. Isso só aconteceu em 47, 48 e 57. Estamos crescendo e vamos crescer mais em 97 e 98. E fazendo isso com menor injustiça social.
Quando falo isso, dizem que estou pintando um quadro cor de rosa. Pelo contrário, nunca disse que estamos nadando de braçada. Fico angustiado com a enormidade dos desafios que temos pela frente, que terão de ser resolvidos em muitos anos.
Folha - O sr. é favorável à reeleição, inclusive para o presidente Fernando Henrique Cardoso?
Malan - Sou favorável à não exclusão. Que não seja proibido, mantido um mandato de quatro anos, que quem esteja no cargo dispute a reeleição.
Na Revisão Constitucional, com redução para quatro, havia o entendimento de que seria possível a reeleição, se assim o desejasse quem estivesse ocupando a Presidência.
Folha - Na Revisão Constitucional, lideranças expressivas do PSDB votaram contra a reeleição...
Malan - Eu sei. Deixando de lado esse pequeno jogo de como me situo ali e aqui, em termos do que serve aos interesses do país, não tenho dúvida de que a maioria é da opinião de se ter um mandato mais longo. Cinco anos acho que é o mínimo. Ou seis anos. Em alguns países o mandato é de sete. Ou se tem quatro, com a possibilidade de o presidente se submeter a um novo escrutínio popular.
Nos Estados Unidos, Jimmy Carter e George Bush não conseguiram seu segundo mandato. Não é prorrogação nem reeleição, como infelizmente é sugerido. É disputar a preferência popular como qualquer outro.
Folha - Mas por que tocar nesse assunto agora, no meio do governo?
Malan - Senão, vamos passar o resto do governo com uma campanha presidencial em livre curso.
Esse é o problema dos mandatos de quatro anos. Não é boa a situação de, com um ano e meio de governo, antes de completar a metade do mandato, uma sucessão presidencial já estar em pleno andamento. Isso não é bom. Não é desejável para estabilidade na área político-institucional, para não falar da área econômica. Agora, isso é uma decisão do Congresso. Quando ele decidir, que o faça.
Folha - E sobre mudança no cenário econômico para ajudar a aprovar a reeleição? Alguns aliados falam em "efeito Dornbusch", que seria um pouquinho de inflação para haver mais crescimento.
Malan - É absolutamente equivocada, de má-fe e ignorante a interpretação de que, para tentar assegurar o desiderato da não-exclusão (de FHC disputar a reeleição), o governo estaria disposto a colocar em risco o programa de estabilização.
Seria o mesmo que dar um tiro no seu próprio pé, derrubando o programa para tentar conseguir algo que pode ou não se materializar.
Folha - No momento em que o próprio governo desencadeou o tema reeleição, os investidores começaram a colocar o assunto na agenda. Qual o reflexo econômico disso?
Malan - É legítimo. Mercados, em qualquer lugar do mundo, não estão nunca olhando para o passado. Estão sempre olhando para frente. É óbvio que faz diferença, para quem está pensando em investir centenas de milhões de dólares no país, saber se o rumo apontado pela atual administração terá continuidade ou se haverá mudança significativa de rumo.
Folha - O ex-ministro argentino Domingo Cavallo diz que pode ser candidato em 1999. O Planalto avalia que o sr. é um dos ministros que melhor defendem o governo. O sr., que sempre enfatiza que é um técnico, vai entrar na política algum dia?
Malan - Outro dia um deputado me perguntou no Congresso. Vou dizer o que disse ele. Falta-me o engenho e a arte, a paixão, a vocação política. E, como se tudo isso não bastasse, os votos. Não sou nem filiado a nenhum partido.
Folha - No começo do Plano Real, José Serra fazia críticas ao programa. Hoje, candidato a prefeito de São Paulo, dá a impressão de ser um dos pais do Real. O que o sr. acha dessa mudança?
Malan - Não vejo mudança. O Serra teve participação importante na redação e discussão do Programa de Ação Imediata, feito logo depois de o Fernando Henrique Cardoso assumir o Ministério da Fazenda.
Quando Serra estava no ministério, tivemos sempre afinidade sobre as questões essenciais. Nunca o vi como um crítico do programa como um todo.
Meu título de eleitor não é de São Paulo. Se fosse, estaria votando nele para prefeito.

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