São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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A epidemia da violência

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos últimos tempos, a violência deixou as seções policiais para ganhar as manchetes da mídia impressa e eletrônica. Tornou-se também a principal preocupação de grande parte dos brasileiros, especialmente dos que vivem nas grandes cidades.
Difícil dizer o que veio antes, nesse caso. Mas o fato é que a reação dos meios de comunicação e da própria população -fundando movimentos como o "Reage São Paulo"- foi desproporcional à evolução da criminalidade nesse período.
É o caso, por exemplo, da maior cidade brasileira. Em abril, segundo o Datafolha, a violência era a quarta preocupação dos paulistanos. Só foi citada por 10% dos moradores.
Quatro meses depois, sem que tivesse aumentado proporcionalmente a incidência de crimes, a falta de segurança tinha passado a ser o principal problema de São Paulo na opinião de 29% de seus habitantes. Um recorde.
O recorde refletiu a violência que está na mente dos paulistanos, mas não a das ruas. O número de assassinatos, por exemplo, chegou a diminuir ligeiramente entre uma pesquisa e outra.
O que deflagrou a campanha, tanto do lado da mídia quanto da população, foram dois assassinatos de jovens em um bar da moda no bairro de Moema -um dos que têm a melhor qualidade de vida na cidade.
Foram crimes atípicos, cometidos em um dos distritos com a menor taxa de homicídios por grupo de 100 mil habitantes do município. Atípicos também por causa da crueldade: as vítimas foram mortas após o roubo e sem reagir.
Segundo a teoria que encara a violência como uma questão epidemiológica -uma das análises do fenômeno apresentadas nesta edição do Mais!- os assassinatos do bar Bodega teriam sido a gota d'água que fez transbordar a preocupação com o tema.
A reação atual seria o resultado de anos de medo acumulado -um temor silencioso que pode ser visto nos alarmes contra invasões e nas grades de ferro que cercam, por exemplo, quase todos os edifícios de Higienópolis, bairro paulistano onde fica o apartamento do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Entretanto, a reação civil tem conseguido mais espaço nos meios de comunicação do que entre a população, que pouco tem comparecido aos atos de protesto.
Uma hipótese para explicar a falta de ressonância popular é que esses movimentos se circunscrevem aos distritos mais ricos e menos populosos. Não chegam à periferia, onde a taxa de assassinatos é até dez vezes maior.
Recente pesquisa Datafolha reforça esse ponto de vista. O instituto dividiu a cidade em 19 áreas homogêneas, segundo indicadores socioeconômicos, e perguntou aos entrevistados qual o principal problema da cidade.
As áreas onde a resposta "violência" foi mais frequente são justamente aquelas que têm a menor incidência de assassinatos: Vila Mariana e Perdizes.
Associada à sensação de que há uma onda desenfreada de crimes na cidade, outra idéia ancorou-se no senso comum: a de que atos violentos e cruéis são fruto do consumo de crack.
As estatísticas e os estudos médicos mostram, porém, que o álcool tem peso muito maior sobre a ocorrência de homicídios do que drogas ilegais como o crack.
Cerca de 35% dos assassinatos registrados nos distritos mais violentos de São Paulo ocorreram em circunstâncias nas quais a ingestão de bebidas alcoólicas tem grande influência: brigas. Mais de 20% da quais ocorreram dentro de bares.
A maioria dos assassinatos ocorre durante o fim-de-semana e na periferia da cidade. Não por acaso, são distritos onde não há nenhuma opção de lazer como cinemas, teatros e parques. Só bares.
As vítimas, na maioria das vezes, são jovens de menos de 24 anos. Na opinião de policiais que investigam esses assassinatos, a falta de "elevadores sociais" é uma das explicações para esse ambiente violento nas periferias.
Mais do que a pobreza, dizem, a falta de exemplos de pessoas que conseguiram superá-la de outra maneira que não o crime é que acaba induzindo jovens à criminalidade.

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