São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Erundina mantém discurso ambíguo sobre a política de Maluf para saúde

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Petista avalia que não houve erro em tentar vender uma imagem cândida no início da campanha

A quatro dias da eleição, Luiza Erundina mantém a ambiguidade adotada desde o início da campanha sobre o PAS (Plano de Atendimento à Saúde), bandeira da administração Paulo Maluf.
"Eu não posso dizer com segurança: vou acabar com o PAS sem ter uma avaliação e uma análise mais completa de todos os aspectos", disse. A petista diz que o PT de hoje não é mais "um PT de oposição, um PT do não".
"Nós temos uma outra concepção de partido. Uma outra compreensão da vida política", afirma Erundina, segunda colocada na disputa com 24% das intenções de voto, segundo o Datafolha.
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Folha - No início da campanha, houve uma preocupação excessiva de seu marketing com uma imagem moderada para reduzir sua rejeição. Tem aquela cena da sra. quebrando gravetos no Ibirapuera. Não foi excesso de moderação?
Luiza Erundina - Não acho. Não era uma questão de trabalhar a rejeição. Era uma concepção que o partido tem, até pelas experiências que já acumulou em governos e no Parlamento. Nós temos uma outra concepção de partido. Uma outra compreensão da vida política.
E tem um setor do PT, que hoje é majoritário, que entende que a marca do PT não pode ser aquela que foi na sua origem, um PT de oposição, um PT do não. Hoje é o PT que constrói, que tem propostas. É o PT que é amplo, que se soma a outras forças políticas.
Folha - Mas, quando havia essa linha, a sra. caiu nas pesquisas. E o "O PT que diz sim" foi substituído. Não é o reconhecimento de erros?
Erundina - Não foi. Seja um processo de campanha, seja um processo de governo, tem sempre uma característica. Não entendo de marketing político, mas tenho que confiar naqueles que eu contratei. Achei que aquilo dava certo.
E deu certo: aquilo era o começo do processo. Estava dentro de uma estratégia que supunha uma fase que era aquela, que pode ter gerado impacto em alguns setores. Mas havia uma outra fase, mais propositiva, com um nível de embate maior. Estava previsto que nós teríamos de ir fazendo ajustes em função da própria dinâmica da campanha e do comportamento dos outros candidatos.
Eu não caí porque a estratégia não estava correta. É porque vieram os outros candidatos com máquina e com dinheiro.
Folha - A sra. tem tratado com ambiguidade alguns temas, como o PAS. Afinal, qual é sua posição?
Erundina - Entendo que o PAS implica compromissos legais da prefeitura com essas cooperativas de grupos privados que depois eu tenho que analisar. Então, não tenho todos os dados, até porque não estão disponíveis, sobre quais as implicações legais da prefeitura face a esses contratos.
Eu não posso dizer com segurança: vou acabar com o PAS sem ter uma avaliação e uma análise mais completa de todos os aspectos. O que eu posso dizer é que o PAS pode até ter aspectos positivos, que convêm ser aproveitados e incorporados à nossa proposta.
Folha - A sra. recebeu apoio de políticos do PMDB, principalmente quercistas. Não teme prejuízos?
Erundina - Aí têm pessoas ligadas a vários setores do PMDB. Eu não posso fazer uma triagem em um processo de adesão e de alianças. Acho que (Orestes) Quércia no partido não expressa hoje o que esse conjunto de pessoas expressa do ponto de vista partidário.
Folha - Por causa de adesões como essas, a sra. promete reabrir seu programa de governo. Isso não é uma iniciativa eleitoreira?
Erundina - Não, até porque nós afirmamos isso desde quando começamos a construir nosso programa. Dissemos: esse programa envolve idéias pautadas em nossa experiência anterior. Mas nós entendemos que São Paulo tem novas exigências e desafios diferentes daqueles de quatro anos atrás.
Se desde as prévias defendemos um governo de coalizão, o normal é imaginar que as pessoas que se coliguem a nós queiram interferir na nossa proposta de governo.
Folha - Um dos principais pontos de seu programa de governo é o bilhete único. Se é uma proposta boa, por que não a adotou antes?
Erundina - Porque dependia de aprovação pela Câmara, que não aprovou. Na campanha de 92, se Eduardo Suplicy tivesse ganho, teria implantado. Depois, como não ganhamos, nossos vereadores entraram com iniciativa de lei, mas não foi implementado.
Folha - A sra. faz propostas ambiciosas, como essa do bilhete único. Como atender isso com uma dívida superior a R$ 5 bilhões?
Erundina - Nós já temos experiência de administrar dívidas. E, modéstia à parte, fizemos com muita competência.
Folha - Mas a dívida que o Maluf está deixando é muito maior.
Erundina - É, mas na época a prefeitura não tinha a arrecadação que tem hoje. A receita da prefeitura hoje é três vezes superior. Hoje temos capacidade de administrar uma dívida muito maior. E um governo que administra com parcimônia, honestidade e cuidado faz render mais recursos.
Folha - Outro ponto polêmico da sua campanha é a questão de greves em serviços essenciais. Afinal, qual é sua posição?
Erundina - Quem deve decidir sobre a legitimidade e a oportunidade de greve em serviço público, em serviços essenciais, são as partes interessadas: a população, os trabalhadores e o governo.
Nossa proposta de contrato coletivo de trabalho é um instrumento que vai regular as relações de trabalho na administração pública direta. É um instrumento que foi discutido com a participação de dirigentes sindicais. E é suficiente para resolver esses conflitos sem que tenha que haver polarização e acirramento.
Folha - Como a sra. pretende enfrentar processos contra a sua administração anterior, como o da Shell (Autódromo de Interlagos)?
Erundina - É um processo que está tramitando há tantos anos e que voltou agora na campanha. Eu tenho uma equipe de advogados que acompanha esses processos. Já ganhei quase todos. Havia um precedente na prefeitura na forma como se deu o acordo (caso Shell).
A cidade lucrou e lucra hoje com a conquista da Fórmula 1. Portanto, há um mérito que é um elemento importante para lidar com os aspectos formais da questão.
Folha - Se a sra. for mesmo para o segundo turno, qual a estratégia para enfrentar máquinas eleitorais mais poderosas que a sua?
Erundina - Com esses apoios todos, vamos ter uma posição financeira melhor. Não temos máquina, não temos dinheiro. Mas temos um apoio que se amplia. E temos apoio popular.
Folha - A sra. acha que o PSDB lhe apóia em um segundo turno?
Erundina - Há setores do PSDB simpáticos à minha candidatura já no primeiro turno. Não declaram por conveniências ou por questões partidárias.
Folha - Espera apoio de FHC?
Erundina - Vamos pensar isso no segundo turno.

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