São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Direto ao assunto

JANIO DE FREITAS

Aos mais apegados a valores éticos e modos civilizados, incomoda, choca mesmo. Ainda assim, porém, parece melhor a atitude escancarada, posta na mesa de um palácio como copo de cachaça no balcão encardido de um botequim. Já que o propósito será o mesmo, ao menos o ato que o concretiza não se reveste de falso pudor e de hipocrisia.
Foi este duvidoso mérito, parece, o único constatável na mais recente reunião do ministro Antonio Kandir com alguns secretários municipais de Fazenda. Entre os quais havia uma curiosidade que não é só deles, e se apresentou ali atraída pelo andamento mesmo da reunião:
"Se a reforma fiscal e a reforma tributária são tão fundamentais para tudo, por que, afinal, vocês não as levam adiante de uma vez?".
Kandir emendou como a bola veio: "A prioridade absoluta é a reeleição. O que ajudar a reeleição, o governo faz. O que não servir a ela, não faz".
Assim, direto, com toda a clareza, sem sutileza nem cerimônia, não importando nem saber se os presentes eram todos fernandistas. Não eram, claro. Mas, dali por diante, em uma questão não puderam mais dissentir.
Condicionar cada ato de governo à reeleição é, por ora, condicioná-los todos apenas a uma ambição, e não a um direito possível. Já é, no entanto, a comprovação cabal de que instituir a possibilidade de reeleição será reduzir um mandato presidencial à mera finalidade de conquista do segundo.
Crimes à vista
Com 12 mortes por disputas políticas nas últimas semanas e, na quarta-feira, a emboscada à caravana de Albérico Cordeiro, candidato petebista a prefeito de Maceió, é impossível imaginar que Alagoas não precise de tropas federais para tentar o mínimo de ordem no dia da eleição. A mesma finalidade levou o Tribunal Superior Eleitoral a determinar o envio de tropas para cinco Estados. Para Alagoas, não.
A decisão foi mais um produto teratológico do formalismo extremado. O TRE alagoano pediu ao TSE o envio de tropas, mas o governador Divaldo Suruagy, solicitado a informar sobre a situação do Estado, deu-a como "de absoluta normalidade" e assegurada, na eleição, por sua polícia. O governador está brigado com o Judiciário estadual, que pediu a intervenção em Alagoas. Mas, em vista da resposta de Suruagy, o TSE apegou-se à norma e despegou-se da realidade ornamentada por 12 cadáveres.
À margem de formalismos, pode-se dizer que Divaldo Suruagy é o menos autorizado de todos os governadores a falar em normalidade, segurança, ordem e ação governamental. A polícia a que se referiu, na informação ao TSE, integrou-se à greve de quatro meses do funcionalismo, por falta de pagamento. A intervenção em Alagoas só é evitada pela junção de dois interesses do governo federal: seria intervir em governo do PSDB, com o consequente desgaste para o partido, e acarretaria suspensão temporária das votações de reformas no Congresso.
O envio de tropas a Alagoas, afinal decidido anteontem, não podia ficar submetido a formalismos, nem a conveniências políticas de Suruagy e do governo federal.
O TRE fluminense também pediu tropas ao TSE, que as negou, outra vez, em função das informações contrárias de Marcello Alencar. Nesse caso, porém, o formalismo do TSE coincidiu com a prudência que desaconselha meter-se a colher em certas brigas. Ex-aliados políticos, o presidente do TRE, Antonio Carlos Amorim, e Marcello Alencar divergiram em torno de certas obras desejadas pelo desembargador e desde então aproveitam até eleições para aferroar-se.
No Rio, tudo se passa em torno de obras. Ou em torno dos interesses em torno de obras.

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