São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Tributaristas contestam propostas do IR

GABRIEL J. DE CARVALHO
DA REDAÇÃO

O "leão" está de olho nas transferências de ações de empresários para seus filhos, que têm-se intensificado com o crescente número de empresas familiares que são vendidas a multinacionais ou concorrentes nacionais.
Essa é a interpretação que a tributarista Elisabeth Libertuci, da Libertuci Advogados, faz da proposta para que ganhos de capital em doações e heranças passem a ser tributados pelo Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
Minuta de projeto da Receita Federal propõe que doações de patrimônio em vida ou as transmissões em inventário (depois da morte) percam a isenção quando bens e direitos são transferidos por valor superior ao que vinha sendo declarado pelo antigo titular.
Hoje, exemplifica a tributarista, um pai que tenha participação societária declarada por R$ 10 milhões pode doá-la aos filhos por R$ 50 milhões, valor de mercado, sem que a diferença de R$ 40 milhões pague um tostão de Imposto de Renda.
No jargão dos advogados, há essa isenção porque trata-se de "adiantamento da legítima". É o que os herdeiros receberiam de qualquer forma mais tarde.
O que a Receita Federal pretende é que os R$ 40 milhões, nesse exemplo simplificado, sejam considerados ganho de capital, que ficaria sujeito à atual alíquota de 15% de IR.
Quando os filhos vendem os bens e direitos que receberam por doação em vida ou por herança, após o final do inventário, apuram normalmente se houve ganho de capital, e, se for o caso, têm de pagar os 15% sobre a diferença entre o valor de custo e o da alienação.
Mas na transferência anterior, de titular para herdeiro, diz Elisabeth, é possível fixar um valor que praticamente livra a família do ganho de capital. Se as ações não são doadas antes da venda de uma empresa, o titular paga IR quando apura ganho de capital.
Problema jurídico
A proposta ainda está em discussão, e, se andar, nem sequer está definida a forma -por meio de projeto de lei ou medida provisória-, devido à proximidade do final de ano (e de legislatura no Congresso).
Para a tributarista, entretanto, se doações e heranças forem tributadas pelo IRPF certamente haverá contestação judicial.
"Desfazer-se de patrimônio não é renda, e a Receita quer dar a essas transferências um tratamento de venda", diz Elisabeth, acrescentando que os herdeiros têm direito sobre esses bens e direitos.
Carmine Abbondati, da Assessor Consultores Empresariais, concorda com Elisabeth: "O patrimônio transferido numa doação foi formado com renda já tributada", diz ele.
Ao contrário dos EUA, no Brasil a tributação de doações e heranças se resume ao imposto de transmissão "intervivos" e "causa mortis", de caráter municipal e estadual, respectivamente, e apenas sobre imóveis. Além disso há 1% sobre o patrimônio partilhado, a título de custas processuais.
"O Imposto de Renda não é apropriado para taxar doações e heranças", argumenta Elisabeth.
Abbondati lembra que tributo federal sobre doações e heranças exigiria emenda constitucional. Só está previsto o imposto sobre grandes fortunas, cujo temor, aliás, explica por que participações em empresas são declaradas por valor menor que o de mercado.
A Constituição prevê imposto sobre doações, mas de caráter estadual, e mesmo assim dependeria de lei complementar.
Na Receita Federal, há quem entenda que taxar ganho de capital nas transferências de ações de pai para filhos não caracteriza tributação sobre doações e heranças. Seria fechar uma brecha no chamado planejamento tributário.

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