São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Hiperliberalismo é lançado nos EUA

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Que tal adotar o Panamá como modelo de sistema financeiro? Ou então simplesmente desistir de ter um banco central? Quem sabe a melhor saída para os problemáticos sistemas bancários da América Latina não é uma política mais agressiva de internacionalização do sistema? Que tal mudar a ordem dos fatores e liberalizar mais cedo e mais rápido os sistemas financeiros, antes de novos avanços na liberalização comercial?
Quase dois anos depois da crise mexicana, esse é o cardápio que está sendo defendido pelo economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ricardo Hausman. Não há meio-termo: ou ele está anos-luz à frente de todo mundo ou se trata de um hiperliberal tardio.
No trabalho que apresentou à conferência "Sistemas Financeiros Seguros e Sólidos: O Que Funciona para a América Latina?", na última sexta, em Washington, Hausman converte em retórica sofisticada a velha tese de que os pobres são culpados por sua pobreza.
Ele afirma, por exemplo, que, dada a precariedade da poupança doméstica nos países latino-americanos e uma proverbial deficiência institucional, a solução está em dar "profundidade financeira" a esses mercados, de um lado, e inseri-los no mesmo marco legal de supervisão que pode ser oferecido pelos países desenvolvidos.
O título do trabalho é sugestivo: "Fazer ou Comprar: Abordagens para a Integração dos Mercados Financeiros". Conclui com vigor pela abordagem do "comprar".
O pressuposto é, no mínimo, politicamente incorreto: os latinos são incompetentes para "fazer" seus mercados (tanto do ponto de vista de formar poupança doméstica quanto da garantia de bens públicos, como supervisão bancária e estabilidade contratual).
Portanto, que paguem o preço dessa incompetência, integrando-se aos mercados internacionais e aproximando-se do modelo panamenho, de maior "profundidade financeira". É como se o economista ficasse exausto de esperar pelo amadurecimento dos países "em desenvolvimento".
A visão liberal mais tradicional, passada a crise mexicana, simplesmente recomenda que se volte a confiar nos sinais do mercado, nos indícios de racionalidade visíveis antes do pânico financeiro como elemento aproveitável na formulação de políticas econômicas.
No próprio BID, noutra conferência, há duas semanas, sobre as fronteiras da teoria do desenvolvimento, discutia-se a necessidade de definir novas formas de governabilidade, de investimento em infra-estrutura social e institucional e de ampliação da poupança doméstica, para superar o atraso.
Mas Hausman tira da crise mexicana uma lição muito mais radical. Movido, talvez, por uma frustração extrema com a incapacidade de os governos latinos evitarem as crises de confiança, o economista-chefe de um banco de desenvolvimento propõe, à la Hayek (pensador ultraliberal), que as sociedades da América Latina desistam de construir os pilares da governabilidade. Ocorre que, ao menos em alguns casos, talvez Hausman esteja realmente prevendo o futuro.
O economista-chefe do BID quer que a América Latina seja um grande Panamá.
Acredite se quiser.

Texto Anterior: Facilitário tributário
Próximo Texto: Proer estadual traz subsídio de R$ 54 bi
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.