São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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O último caudilho

LUÍS NASSIF

Um conhecido que esteve outro dia com ele notou que o comandante amansou. Batia chuva na janela do apartamento, e ele observou como seria um bom dia aquele... para não sair de casa.
Os presentes se entreolharam. Esse estado de contemplação não era habitual no caudilho. Parecia, agora, mais propenso a gozar dos prazeres do comum dos mortais do que a pelejar.
Leonel Brizola se prepara para se aposentar da vida pública. Pouco participou das campanhas municipais. Parece mais preocupado em recompor as cicatrizes do coração depois de uma viuvez dolorida.
O comandante sai de cena no momento em que sua liderança se esvai. No Rio de Janeiro, e mesmo no Rio Grande do Sul, há grande rejeição às suas idéias e à falta de compromissos administrativos de seu partido.
Após quase 50 anos de pelejas, a ideologia vitoriosa é a de velhos adversários, como Roberto Campos, o Bob Fields de seus tempos iniciais de proselitismo.
Com ele, encerra-se uma era de lideranças carismáticas, que legou Jânio, Lacerda, JK e Arraes.
Patriota
De qualquer modo, que não se ouse tripudiar sobre o velho comandante nem submetê-lo a julgamentos contemporâneos.
Brizola pertence à história e, como tal, precisa ser julgado no seu todo e no contexto em que atuou, desde os primeiros passos como vereador em Porto Alegre e como governador comprometido com as causas populares.
Será lembrado para sempre por seu compromisso para com os desvalidos, particularmente para com as crianças. A infância difícil e a falta de recursos para estudar, em lugar de recalques, criou em Brizola uma formidável solidariedade para com a causa dos mais pobres.
Não se tratava de demagogia populista com que muitos políticos costumam pavimentar suas campanhas. Mas de uma solidariedade acendrada, figadal, mesmo quando colocada a serviço de equívocos, como os Ciacs, ou da desorganização administrativa, como no Rio.
Há poucas informações -que mereciam ser recuperadas- sobre seu primeiro governo no Rio Grande e as políticas sociais que implementou na época. Consta que foi exemplar.
Já a maneira como enfrentou a tentativa de golpe militar após a renúncia de Jânio tem inúmeros testemunhos, alguns insuspeitos, como o do embaixador Walther Moreira Salles -cuja indicação para ministro da Fazenda do gabinete parlamentarista ajudou a aplacar os ímpetos dos golpistas.
O embaixador esteve em Porto Alegre em sigilo, na noite em que se articulou o início do parlamentarismo, com o Palácio Piratini preparando-se para receber uma chuva de bombas.
Que comandante de Exército, que chefe da Brigada Militar, que nada! Brizola era o comandante supremo, incendiando a todos com sua coragem.
É possível que análises racionais concluam que Brizola fez mais mal do que bem ao país.
Mas nenhuma análise isenta deixará de reconhecer nele um patriota dos maiores e um brasileiro permanentemente preocupado com a condição dos mais fracos.

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