São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Adeus às novas físicas, biologias e químicas

IVAN IZQUIERDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

John Horgan (autor de "O Fim da Ciência"), após consultar vários cientistas importantes, concluiu que acabou a época das grandes descobertas, dos grandes "breakthroughs" (rupturas) do conhecimento humano. Não se inventarão mais coisas como a biologia, a física ou a matemática; não haverá mais descobertas como a do próton, da lei da gravidade ou da dupla hélice (do DNA); não mais descobriremos a evolução das espécies ou os buracos negros.
As bases gerais do conhecimento, segundo Horgan, já são mais ou menos conhecidas; agora virão só descobertas parciais, pequenos progressos incrementais, quantitativos, que não implicarão numa revisão de áreas enormes do conhecimento, senão em acréscimos pontuais e restritos a coisas que já sabemos.
Por exemplo, descobriremos a função de muitos genes e o genoma de muitos indivíduos, inclusive o humano; mas não o que é um gene, porque isso já se sabe. Descobriremos novas partículas subatômicas, mas não o átomo, porque esse já foi descoberto. E assim por diante. E também descobri remos que alguns problemas jamais poderão ser resolvidos, e ficarão por isso mesmo.
Dito assim, isso impressiona, conforta e assusta. Ao mesmo tempo dá uma sensação de "já chegamos" e levanta a angústia de nos fazer pensar: "é só a isto que chegamos?"
Porque, na verdade, no ponto em que estamos, não entendemos muito de nada, não temos a menor idéia do sentido da vida, ou sequer se a expressão "sentido da vida", ou as palavras "sentido" ou "vida" realmente querem dizer alguma coisa. Por outro lado, enquanto a ciência corre e a tecnologia avança, certamente nossos afetos e nossas emoções não mudam. E não conseguimos curar uma gripe ou um simples resfriado.
Eu acho, é claro, que Horgan tem razão. Vejamos um pouco o que quer dizer que a partir de agora só haverá acréscimos pontuais, pe quenos aumentos do conhecimento. Não quer dizer que os grandes temas já acabaram: quer dizer que continuaremos progredindo rumo a sua solução (ou insolubilidade), mas por saltos proporcionalmente menores -em muitos casos, porém, quantitativamente enormes.
O dólar de Gates
O grande salto qualitativo de, digamos, Bill Gates, foi quando ele tinha quatro ou cinco anos de idade. Nesse momento, em um dia, sua fortuna aumentou de maneira infinita: seu avô lhe deu um dólar, e Gates passou de zero a um: um dividido por zero = infinito. Não tinha fortuna alguma. A partir daí passou a tê-la. Certamente, foi (literalmente) infinitamente inferior ao salto quantitativo que deu sua fortuna há 16 anos, quando inventou o DOS, ou há seis, quando inventou o Windows. Mas, para a humanidade que ele habita (ou comanda), aquele primeiro salto de valor infinito, de zero a um, não representou nada; o segundo e o terceiro foram revoluções na informática, na economia, na escrita, nas comunicações, na distribuição de renda, na distribuição do poder, em tudo.
Faz 300 mil anos que a anatomia do cérebro humano, aparentemente, não muda. Será por isso que, em termos de emoções e afetos, somos os mesmos de então. O grande salto do cérebro humano foi antes disso, quando passou de grande macaco a humano.
Convenhamos que os saltos que esse cérebro deu há 20 mil anos, quando descobriu o fogo, há 10 mil, quando inventou a roda, ou 6.000 anos atrás, quando inventou a escrita, foram infinitamente menores que aquele que criou sua espécie, há 300 mil ou 400 mil anos.
Mas esses últimos 20 mil anos mudaram de tal maneira a história que já não nos interessa muito saber se o salto inicial ocorreu 300 mil ou 400 mil anos antes disso. Os últimos 20 mil anos fizeram a diferença; não aqueles 100 mil.
Ver bactérias através de suas marcas, não de seus corpos, é um invento novo. Menos importante, convenhamos, que o invento da bacteriologia, ou que as grandes descobertas de Pasteur ou Koch.
Mas com esse invento novo, meio banal, foram descobertas bactérias num meteorito vindo de Marte. Um progresso incremental, tecnicamente e conceitualmente pequeno para as ciências naturais; mas gigantesco para a teologia, que nem sonhou que algum dia alguém iria mexer com ela desde esse ângulo.
O centímetro de Schiffer
Quando era um feto, Claudia Schiffer decuplicou sua estatura em poucas semanas: uma alteração fantástica. Sua mãe que o diga.
Mas há uns dez anos, já adolescente, um certo ano cresceu meio centímetro; ou seja, menos de 0,6%. Convenhamos que, desde o ponto de vista que nos interessa, esse último aumento, minúsculo, foi o determinante.
Contentemo-nos com esses "pequenos progressos incrementais" que são, segundo Horgan, tudo o que teremos pela frente, tudo o que nos resta.
Como a base da qual partem esses progressos já é grande, e como eles continuarão crescendo, nossos conhecimentos aumentarão cada dia de uma maneira fantasmagórica, tão tremenda que não conseguiremos acompanhá-la sem a ajuda de máquinas com as quais Bill Gates ainda nem sonhou.
Recordemos que, há séculos, nosso terrível Deus judaico-cristão, esse Deus do Ocidente, nos condenou ao fogo eterno por coisas que duram um minuto ou dois. Que são um minuto ou dois na vida de uma pessoa de 70 ou 80 anos! Para o Deus trovejante que deu as tábuas para Moisés, tudo.
Então, fora dessa angústia existencial que o Trovejante nos legou, não choremos porque não mais serão criadas físicas ou químicas.
Graças ao fato qualitativo de que alguma vez foram criadas (por Ele, talvez), nosso conhecimento pode dar pequenos saltos quantitativos, cada vez menores em proporção, mas maiores em altura. Só. Em termos de que fazer com nossa vida, a história é outra; talvez muito mais lenta, e talvez, sem saltos.

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