São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Didática da solidão

Estou só
e a noite pesa densa e alta
sobre a cidade

Estou só
sem ruídos do mundo,
com o rosto
mergulhado nas mãos em concha
como se sofresse.

Mas sou, talvez, o primeiro
homem na história
que encontrou
na solidão e no silêncio
esse gesto eterno do desespero,
esse fundo profundo das mãos
amparando, piedosamente,
a cara aberta e atônita,
para esconder,
por pudor,
não a tristeza,
mas a alegria.

Comprimo a exaltação da plenitude da alegria
no escuro filtrado pela rósea
carne dos dedos
como se temesse
que a areia avara desse
efêmero instante
se escoasse, caprichosa e insinuante,
por entre as frestas das mãos
instáveis e trêmulas
pelo peso fardo do milagre.

Paris, 24 de janeiro de 1964
Poema inédito de ALMEIDA SALLES

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