São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Vida em Marte assustou autor

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

John Horgan, o principal repórter da sesquicentenária revista "Scientific American", não tem medo de ser comparado a Francis Fukuyama, o cientista político que ficou famoso por ter anunciado o fim da história pouco antes da Guerra do Golfo eclodir.
Horgan, 43, lançou em junho "The End of Science" (O Fim da Ciência) e acha que, mesmo se algo parecido com o que Fukuyama viveu acontecer com ele, sua tese central não será destruída.
"Conheci e admiro Fukuyama", disse Horgan em entrevista à Folha por telefone desde Nova York. "Não acho que a Guerra do Golfo tenha desmentido o que ele demonstrou como o fim da história a partir do fim da Guerra Fria. O que ele escreveu ainda vale."
Mas Horgan admite que levou um susto no mês passado quando abriu o jornal e viu a notícia sobre a possibilidade de existência de vida em Marte. A descoberta de vida, em especial inteligente, fora da Terra é a única possibilidade que abalaria, na sua opinião, a teoria de que a ciência acabou.
Amigos, colegas, repórteres e principalmente inimigos ligaram para Horgan no dia da notícia sobre Marte. Mas, após ter examinado melhor as informações, ele diz ter chegado a conclusão de que a possibilidade de vida em Marte não vai se sustentar.
Será que existe vida fora do Sistema Solar? "É altamente improvável. Os obstáculos são enormes, não acho que exista. Mas o importante é que ninguém sabe essa resposta. Tudo que se disser é simples especulação."
Por isso, até que algo espetacular como uma civilização extraterrestre apareça, Horgan diz que a fase das grandes descobertas científicas está encerrada.
Não que não haja "um monte de coisas interessantes para serem descobertas". Mas tudo dentro de princípios que já foram estabelecidos e são aceitos como corretos.
Fim dos grandes
O fim da ciência para Horgan quer dizer o fim de descobertas do vulto das teorias do sistema solar de Copérnico, da evolução de Darwin, da relatividade de Einstein, da mecânica quântica, do "Big Bang", do código genético.
O que há a ser feito na ciência é desenvolver essas teorias, desdobrá-las, refiná-las. As grandes surpresas acabaram, na visão de Horgan. É como se num jogo de futebol a bola fosse ficando cada vez maior e mais pesada e o gol cada vez menor e mais distante.
A "teoria final", a "Resposta", é inatingível, na opinião de Horgan -não existe.
"Quanto mais conhecimento conseguimos, mais temos que nos confrontar com a falta de sentido da existência", diz Horgan.
Os cientistas que ainda acreditam na possibilidade de se atingir essa grande teoria que explicará tudo fazem, na expressão de Horga, "ciência irônica". Ou seja: uma ciência que pretende explicar tudo mas na verdade não prediz nada porque não pode ser validada pela experiência.
O livro, que já teve cinco tiragens de 10 mil exemplares cada, é construído sobre depoimentos de alguns dos maiores astros da ciência contemporânea. Alguns críticos acham que o pessimismo do autor deriva do fato de que os entrevistados todos já esgotaram seu poder criativo. Alguns até morreram antes do livro ser editado.
Se Horgan tivesse se ocupado em procurar o que está sendo discutido nas grandes conferências científicas em vez de se ocupar com quem está no fim da carreira, argumentam esses críticos, talvez não achasse que a ciência acabou.
Outro ponto levantado com frequência por leitores de "The End of Science" (Addison Wesley, 309 págs., U$ 24) é que o autor se preocupa muito com a "Verdade Definitiva". Se tivesse sido menos ambicioso em seu enfoque, como a maioria das pessoas, talvez encontrasse sentido no muito que a ciência ainda pode descobrir para melhorar a vida humana.
Esse tipo de crítica, disse Horgan à Folha, não o incomoda. O único ataque que o aborrece é o dos que o acusam de ter preconceito contra a atividade científica. "Mas eu espero que qualquer pessoa isenta leia o meu livro e veja que isso não é verdade."
Horgan disse que seu principal objetivo não é provar que a ciência acabou mas sim provocar debate, ajudar as pessoas a pensarem, discutir com elas os limites da ciência. Isso, ele crê, já foi conseguido pelo livro. "A reação tem sido impressionante. Tenho sido convidado para falar em vários pontos do país, na Europa, na Nova Zelândia. A tradução do livro para seis idiomas já está acertada."
Para esse jornalista, formado em língua inglesa pela Universidade de Columbia (EUA), com mestrado em jornalismo na mesma universidade e dez anos na melhor revista científica dos EUA, é mais do que o esperado.
Com dois filhos pequenos, seu receio agora é que a súbita notoriedade lhe roube o já pouco tempo que tem para a família nos subúrbios de Nova York.
Horgan diz que a venda dos direitos de "The End of Science" para o Brasil está sendo negociada mas não há nada definido.

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