São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Lugar de sexo é na escola

GILBERTO DIMENSTEIN

A nação mais poderosa do planeta está prestes a escolher seu próximo presidente. Mas, na semana passada, conseguiu deixar de lado os candidatos e transformou um beijo no mais empolgante assunto nacional.
Um menino de seis anos chamado Johnathan Prevette beijou a bochecha de uma coleguinha na escola, em Lexington, uma cidade de 15 mil habitantes na Carolina do Norte.
Acusado pela direção da escola de molestador sexual, ele foi suspenso e detonou um debate que vai muito além do inocente beijo: a febre moralista da sociedade americana.
A punição ao beijo não é um fato isolado. É a consequência da união entre a histeria feminista e o obscurantismo religioso.
O resultado é que vão acabar produzindo tarados ou neuróticos sexuais -em nome, imaginam, dos direitos da mulher ou dos desígnios de Deus.
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Numa onda gigantesca, um movimento nas igrejas, escolas e meios de comunicação prega a castidade entre jovens e, ainda por cima, condena a masturbação, apresentando o sexo como pecado.
Destinado aos professores, um popular manual intitulado "Sex Respect", usado em centenas de escolas dominadas por religiosos, ensina como evitar o sexo. O aluno deve ser estimulado, propõe o texto, a "jogar monopólio, andar de bicicleta ou fazer biscoitos".
É um movimento tão forte que cada vez mais jovens se comprometem em cerimônias públicas a ter relações sexuais só depois do casamento -e cada vez mais homens são processados porque olharam com uma ponta de desejo os contornos de uma companheira de trabalho.
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Uma leve idéia da barbárie. O ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, era diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington. Ele recebeu circular geral informando que elogiar a vestimenta das colegas era, a partir de então, proibido, considerado um indício de molestamento sexual.
Na Organização Panamericana de Saúde (OPAS), também em Washington, um diretor foi processado internamente. A secretária o acusou de um "olhar suspeito" e "insinuante".
Detalhe: essas duas instituições são latino-americanas. Imagine o resto.
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Nesse mesmo período, a responsável pelas políticas de saúde do governo federal americano, Joycelyn Elders, defendeu num seminário a idéia de que, "talvez", as escolas devessem discutir masturbação com os alunos.
Afinal, segundo as pesquisas, a imensa maioria deles, meninos e meninas, se masturba regularmente. Essa declaração provocou comoção entre os grupos conservadores e ela acabou fora do governo.
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O Brasil corre, agora, risco semelhante de ver projetos de educação sexual bombardeados por dogmas religiosos.
Isso num país em que, por ano, 1 milhão de adolescentes engravida e 700 mil viram mães, muitas delas sem condições de criar decentemente um filho.
Apenas as consequências dos abortos que chegam ao sistema público beiram os 300 mil casos. Portanto, o número de abortos é bem maior.
A Igreja Católica tem um excepcional trabalho a favor dos pobres. Sempre digo que, se tivesse de fazer uma lista dos cinco mais admiráveis brasileiros estariam dois bispos: d. Luciano Mendes de Almeida e d. Paulo de Evaristo Arns.
Viajando pela periferia e pelo interior do Brasil, testemunhei o heróico trabalho de padres e freiras.
A igreja tem dogmas que devem ser respeitados. Injustificável, porém, que essas crenças prejudiquem um projeto relevante para a nação como educação sexual nas escolas, lançado pelo governo federal.
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É obrigação da sociedade ensinar que o sexo produz riscos como gravidez precoce ou doenças infecciosas -mas também de que é fonte natural de prazer.
Os pobres não têm sequer a chance de pais com capacidade de ensiná-los sobre prevenção. Mesmo em famílias mais ricas, falta diálogo e conhecimento sobre como abordar adequadamente um assunto tão delicado.
Portanto, o lugar de sexo é na escola.
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PS - Por falar em barbárie, o professor Bolívar Lamounier, um dos mais renomados cientistas políticos brasileiros, autor de profundas e lúcidas análises, publicou texto dando ares de estadista a Fernando Collor de Mello.
A principal contribuição de Collor ao avanço da sociedade brasileira foi involuntário; graças aos negócios que prosperaram em seu governo, deu munição ao movimento de impeachment que significou um marco no rompimento do Brasil com a impunidade.
Lamounier se aventurou na tentativa acadêmica de transformar gangsterismo em estadismo. Como sei que ele é um intelectual sério e honesto, seu problema é apenas desinformação.

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Fax (001-212) 873-1045

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